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O cinema do futuro tem uma cara: a da diversidade

Nomadland, de Chloé Zhao

Se formos comparar o cinema produzido no Brasil em 2020 com aquele produzido há dez, vinte ou trinta anos atrás, quais seriam as diferenças que poderíamos encontrar? Evidentemente que muitas, claro, porém uma delas é a mais evidente. Não se pode mais produzir filmes sem ignorar a diversidade de vozes, identidades, forças, causas e histórias do mundo.

Não é difícil identificar onde isso tudo começou: na internet, que democratizou os espaços de fala e fez com que mulheres, trans, negros, pessoas com algum tipo de deficiência física ou mental, indígenas, latinos e tantas outras minorias conseguissem trazer para o grande debate suas pautas, questões e demandas. Como o cinema é espelho da realidade, a luta é por ver refletida nas telas, sejam grandes ou pequenas, imagens e conflitos que antes não tinham muito espaço.

A diversidade no cinema em 2020 acaba por refletir na premiação mais famosa do mundo, o Oscar. Pela primeira vez, neste ano, duas mulheres foram indicadas no mesmo ano a melhor diretora: Chloé Zhao, por Nomadland, e Emerald Fennell, por Bela Vingança. Chloé, ainda por cima, é chinesa de nascimento. Nas categorias de atuação, que somam 20 vagas entre protagonistas e coadjuvantes, 9 atores (quase metade da lista) são tidos como “não brancos”, como, por exemplo, o saudoso Chadwick Boseman e Viola Davis (A Voz Suprema do Blues), Daniel Kaluuya e Lakeith Stanfield (Judas e o Messias Negro), os sul-coreanos Steven Yeun e Yuh-jung Youn (Minari), e por aí vai.

A Febre, de Maya Da-Rin

No cinema brasileiro, a diversidade foi estimulada nos últimos 20 anos pelos editais de fomento ao cinema, que pela primeira vez descentralizaram as produções do eixo Rio-São Paulo. Com essa mudança, polos fortes de audiovisual como Recife ganharam projeção a ponto de o cinema pernambucano hoje ser conhecido quase como um gênero à parte no cinema brasileiro, com suas narrativas que não seguem a cartilha clássica, pelo contrário, com personagens intensos, ambíguos, e com uma imensa carga afetiva transbordando dos filmes. É o cinema de Cláudio Assis (Amarelo Manga, Piedade), Kleber Mendonça Filho (O Som ao Redor, Bacurau), Marcelo Gomes (Era Uma Vez Eu, Verônica, O Homem das Multidões), Hilton Lacerda (Tatuagem, Fim de Festa) e outros.

Mas, para além da diversidade regional, o que percebemos mais fortemente nos últimos anos é a presença cada vez maior do feminino atrás das câmeras – o que por si já impõe um novo olhar e uma nova maneira de enxergar os conflitos, as relações, o lugar de cada um na sociedade brasileira. Só para ficar naquelas que lançaram novos longas em 2020, temos a pernambucana Renata Pinheiro (Açúcar, Amor, plástico e barulho), a gaúcha Ana Luiza Azevedo (Aos Olhos de Ernesto), as cariocas Sandra Kogut (Três Verões, Mutum), Alice Furtado (Sem Seu Sangue, longa de estreia selecionado em Cannes) e Maya Da-Rin (A Febre, premiado em Brasília). A visão delas também traz novas luzes ao gênero de documentário, por exemplo, na maneira nova como abordam formatos e temas conhecidos. É o caso de Bárbara Paz (Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou, sua estreia na direção) e Carol Benjamin (no documentário político Fico Te Devendo Uma Carta Sobre o Brasil), entre tantas outras.

Valentina, de Cássio Pereira dos Santos

Para irmos mais longe na diversidade de gênero, é bom lembrar que 2020 viu nascer os dois primeiros longas de ficção com protagonistas trans: Alice Júnior, com uma pegada mais leve e adolescente, que trouxe a atriz-revelação Anna Celestino, premiada em Brasília; e o drama Valentina, com a também sensacional Thiessa Woinbackk, premiada na 44º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Do lado dos documentários, o ano teve ainda Maria Luiza, história da primeira transexual das Forças Armadas no Brasil e toda a sua luta para manter seu lugar dentro de uma instituição notadamente conservadora.

Por fim, o cinema negro, que reflete os conflitos e questões da maior parte da população brasileira, se fortaleceu bastante nos últimos anos – mas ainda longe de ser também uma “maioria cultural” tanto no cinema como em outras artes. É um terreno no qual ainda são raros os cineastas negros que consigam reunir os recursos para fazer o tão difícil salto do curta para o longa-metragem. Destes, dois nomes se destacam: Jeferson De (Bróder), que aos 53 anos chegou a seu quarto longa-metragem com M8 – Quando a morte socorre a vida; e a diretora e produtora Viviane Ferreira que concluiu em 2020 seu primeiro longa, Um Dia com Jerusa, desdobramento de um curta rodado seis anos antes.

Além deles, alguns cineastas brancos têm dado atenção nos últimos anos aos conflitos e temas raciais, como João Paulo Miranda – Casa de Antiguidades, sobre um cidadão negro discriminado numa cidade gaúcha; e Aly Muritiba e Jandir Santin, com Nóis por Nóis, sobre quatro amigos da periferia de Curitiba.

Fiquem ligados na cerimônia de abertura e premiação do 47º Festival Sesc Melhores Filmes no próximo dia 14 de abril, no canal do CineSesc no YouTube, e na cerimônia do Oscar dia 25 de abril, nos canais oficiais.

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