“Estamos precisando passar por lutos coletivos”, afirma a diretora Beatriz Seigner sobre as experiências de “Los Silencios”

No dia da exibição de Los Silencios na Favela da Maré, no Rio de Janeiro, a diretora Beatriz Seigner ouviu da audiência que o que acontecia ali, na fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru, era o mesmo o que se passava na capital carioca. Durante uma sessão na Europa, já em outro momento, uma sobrevivente da Guerra da Bósnia abordou a brasileira para agradecer pelo filme: “você me deixou em paz com os meus fantasmas”.

Para Beatriz, que participou de uma conversa com o público do CineSesc mediada pelo apresentador Cunha Júnior na segunda-feira (22), a identificação de diferentes plateias ao redor do mundo com a narrativa explorada em Los Silencios se dá por conta da capacidade do longa em viver a dor e o luto de experiências traumáticas, que são comuns a qualquer ser humano. “Talvez ele toque muito porque estamos precisando passar por lutos coletivos”, refletiu a diretora.

Exibido na abertura do 45º Festival Sesc Melhores Filmes e atualmente em cartaz em diversas cidades do país, Los Silencios se passa na Ilha da Fantasia, uma ilha na tríplice fronteira na região do Rio Amazonas, e conta a história de Amparo (Marleyda Soto), que, fugindo do conflito armado na Colômbia, reencontra o pai de seus filhos (Enrique Diaz), até então dado como desaparecido.   

A ideia do enredo surgiu em 2010 e foi inspirada no relato de uma amiga de Beatriz, que migrou para o Brasil durante a infância e aqui encontrou o pai, que todos imaginavam já estar morto. Após sete anos de amadurecimento e pesquisa e da entrevista com mais de 80 famílias colombianas, a realizadora afirmou que alguns fatos lhe chamaram muito a atenção. “Eles começaram a me falar dos fantasmas que existiam ali”, revelou. A partir disso, o roteiro ganhou outra forma.

Ao longo deste processo, Beatriz contou que teve a chance de acompanhar o que são conhecidos como círculos de justiça restaurativa, quando todos os lados de um conflito se reúnem para debater como a situação impactou, direta ou indiretamente, a vida de cada um. E durante estes encontros, o que mais admirou a cineasta não foram as demandas de ordem prática, mas sim as reflexões existenciais que se manifestavam entre os envolvidos. “A questão deles era se é possível ou não perdoar”.

Foto: Emiliano Capozoli
Foto: Emiliano Capozoli

Um filme que transborda

Filmado em uma comunidade de casas de palafita, Los Silencios trabalha muito o conceito de transbordamento. Ao passo em que a água do rio sobe, o drama de Amparo vai ganhando novas dimensões: da mudança de país e da luta para retomar a própria vida passa aos conflitos da comunidade, chegando, finalmente, aos resquícios do confronto das Farc com o governo da Colômbia. “[O filme] traz essa sensação de vir do micro para o macro”, ponderou Beatriz.

Neste sentido, ela explicou que uma de suas maiores preocupações ao tratar desta ferida era garantir que estivesse cercada de colombianos. Para isso, contou com a colaboração de produtores da Colômbia e da França e integrou uma equipe cuja metade dos profissionais eram colombianos. Como resultado destes esforços, Los Silencios estreou no Festival de Cartagena e foi muito bem recebido pelo público, sendo considerado um retrato extremamente sensível das violências sofridas pelos nossos vizinhos – o lançamento comercial do filme na Colômbia está previsto para agosto de 2019.

Para acrescentar ainda mais realidade à história, a diretora optou pela participação de moradores da ilha nas gravações e pela valorização da improvisação durante as cenas. “Venho do teatro e tenho pavor de texto memorizado”. Por um mês, os ensaios realizados entre os atores e não atores explorou as falas e os diálogos da própria população em relação aos conflitos da comunidade, o que se transformou num verdadeiro processo de cocriação. “Eles foram descobrindo o filme por si só”, comentou.  

No final, o interesse dos habitantes foi tão grande que eles não só ajudaram a indicar a música de uma das sequências que fecham o filme como também tiveram um papel fundamental na produção de uma passagem crucial do enredo. Com orçamento para o aluguel de apenas 12 canoas, Beatriz se mostrou muito surpresa quando, voluntariamente, quase 50 embarcações de moradores apareceram para a filmagem de uma cena de procissão. “A comunidade comprou totalmente a ideia do filme”.

Terminada as gravações, a casa construída para o filme virou o Centro Cultural Los Silencios da Ilha da Fantasia, que conta com uma biblioteca e funciona como um espaço de convivência para os moradores da região. Beatriz, inclusive, já começou a tocar outros projetos, como a finalização de um documentário produzido no Mali e os rascunhos iniciais para o roteiro de outro longa-metragem que, julgando pelas suas últimas produções – Beatriz Seigner também é diretora de Bollywood Dream – O Sonho Bollywoodiano (2010) – promete ser outra viagem por costumes e universos culturais. “Nada supera a realidade”, concluiu.

Confira também a nossa entrevista completa com a realizadora.

Foto: Emiliano Capozoli
Foto: Emiliano Capozoli
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