Exibição de “Yonlu” levanta discussões sobre representações da saúde mental e suicídio

Yonlu é uma história sobre suicídio. E se você não conhece nada sobre o caso, não se preocupe, porque este não é um spoiler. O fato é umas das notícias mais polêmicas de meados dos anos 2000 e também de onde parte o filme homônimo dirigido por Hique Montanari, selecionado para a programação do 45º Festival Sesc Melhores Filmes e abordado como tema de discussão do CinePsiquê, realizado na quinta-feira (18) no CineSesc.

Após a exibição do longa, o bate-papo começou com alguns dados alarmantes. “O suicídio chega a ser a segunda maior causa de mortes entre adolescentes e jovens adultos”, informou Ana Claudia Melcop, psiquiatra da Infância e Adolescência no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, citando uma pesquisa divulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2018.

Em outro estudo publicado pela Associação Médica Americana, as informações apontaram que a série norte-americana 13 Reasons Why estimulou um aumento no número de buscas por formas de tirar a própria vida. Ana esclareceu que, neste sentido, pode ocorrer o que os profissionais chamam de “Efeito Werther”, uma referência ao livro “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, de Goethe, que na época de seu lançamento, no século 18, instigou uma verdadeira onda de suicídios na sociedade europeia. “De fato, existe uma população que fica bem mais vulnerável a esses assuntos”, disse.

Mas se a questão, que já é um tabu, tem o potencial de causar um impacto tão negativo, qual seria a melhor solução?

Para Ana, o caminho ideal sempre será a comunicação. “Um dos fatores de riscos é o isolamento social”, alertou a psiquiatra, acrescentando que as escolas podem ser grandes aliadas na tarefa de abrir o diálogo sobre tópicos como o bullying e a saúde mental. Como exemplo, Ana apresentou o Projeto Cuca Legal,  uma iniciativa ligada ao Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que busca promover a saúde mental e a prevenção de transtornos mentais em ambientes de ensino. “Este trabalho de reconhecimento das emoções é um processo psicoterápico super válido”, completou.

Foto: Aline Arruda
Foto: Aline Arruda

Perigos da internet

Ainda pensando em ações preventivas, Ana Claudia explicou que os índices de morte por suicídio também diminuem quando há maior vigilância dos pais ou responsáveis em relação às atividades de crianças e adolescentes nas redes sociais e na internet. O ambiente online como uma via de mão dupla, inclusive, é uma das fortes representações do filme de Montanari: a rede é o lugar onde o jovem Vinícius Gageiro Marques, conhecido pelo nome de Yoñlu, tanto compartilha suas músicas e criações artísticas quanto tem acesso a fóruns de apoio ao suícidio.

Pontuando que a internet é o espaço onde tudo é amplificado, o jornalista e colunista do jornal Folha de S. Paulo, Sandro Macedo, mediador da conversa, ressaltou que um dos maiores perigos do cyberbullying é o caráter anônimo das interações, além da falta de contato humano. Sandro lembrou, aliás, que na mesma semana de estreia de Yonlu, em agosto de 2018, chegou nos cinemas brasileiros outra produção que também trata de uma narrativa semelhante. Em Ferrugem, de Aly Muritiba, a vítima do assédio virtual é Tati (Tiffanny Dopke), que, após perder o celular, assiste à divulgação de seus registros íntimos no grupo de WhatsApp da turma do colégio.

De acordo com a jornalista e documentarista Flavia Guerra, a ilusão de que a internet pode ser um local de conforto para quem apresenta comportamentos depressivos e possivelmente suicidas é, em Yonlu, retratada de um jeito muito sensorial, principalmente nas cenas em que o personagem, mesmo quando está no meio da multidão, permanece sozinho. “Ele construiu a própria morte e ainda assim não encontrou uma conexão”, lamentou.

Foto: Aline Arruda
Foto: Aline Arruda

Pelas lentes da arte

Sobre a forma como o protagonista é caracterizado, Flavia Guerra acredita que o filme não glamouriza o tema do suicídio nem mitifica as atitudes do jovem como um gênio criativo. “Há um tratamento muito sóbrio”. A jornalista ainda chamou a atenção para o fato de o cinema brasileiro estar tocando com mais frequência em temas como a depressão, o bullying e o suicídio. Entre algumas recentes produções, ela destacou Os Famosos e os Duendes da Morte (2009), de Esmir Filho, o documentário Elena (2012), de Petra Costa, e o longa Café com Canela, de Glenda Nicácio e Ary Rosa, que integra a programação do 45º Festival Sesc Melhores Filmes.

Na cinematografia internacional, Flavia citou os filmes Garota Interrompida (2000), de James Mangold, e Depois de Lúcia (2013), de Michel Franco, como boas portas de entrada para a discussão do assunto. Para ela, a arte tem essa capacidade de expor conteúdos delicados para enfrentar o moralismo e os preconceitos, além de causar um efeito real na vida das pessoas. “[A arte] é muito poderosa porque fala da natureza humana.”

Apesar de toda a controvérsia acerca da discussão, a psiquiatra Ana Claudia concorda que é importante que o debate sobre suicídio não seja negligenciado. “Não dá pra fazer de conta que isso não está por aí”, concluiu.

carregando...