Em 1974, acontecia a primeira edição do Festival Sesc Melhores Filmes. Naquele ano, a obra-prima “Gritos e Sussurros”, do sueco Ingmar Bergman, foi escolhida como Melhor Filme Estrangeiro pelos votos da crítica especializada. Foi assim, com a consagração de uma das maiores obras cinematográficas do século XX, que teve início o festival de cinema mais antigo e tradicional da cidade de São Paulo. Neste mesmo ano, o júri brindou como Melhor Filme Nacional o ambicioso “A Herança”, adaptação livre de Shakespeare pelas mãos de Ozualdo Candeias, cineasta proeminente da Boca do Lixo, berço do cinema marginal.
Passaram-se 49 anos, e hoje o Festival Sesc Melhores Filmes se consolida como um dos eventos anuais mais aguardados pelos cinéfilos paulistanos. No dia 5 de abril, às 20h, todos e todas estão convidados para o anúncio dos filmes e artistas premiados desta edição. O acesso à cerimônia é gratuito, e o ingresso deve ser retirado na bilheteria com 1 hora de antecedência. Os filmes mais bem votados entram na programação do festival, que vai de 6 a 26 de abril. Antes de conhecer os vencedores deste ano, que tal resgatar um pouco do histórico da premiação?
Em 1980, a votação passou a ser estendida ao público, e se manteve na configuração como conhecemos hoje: vencedores pelo público e pela crítica. Para votar, os espectadores se dirigiam até o CineSesc, onde depositavam a cédula de votação em uma urna. “Bye Bye Brasil”, de Cacá Diegues, foi o preferido do público neste ano inaugural, e “A Rosa”, de Mark Rydell, foi o mais votado na categoria Melhor Filme Estrangeiro. Para a crítica, os vencedores foram “Pixote, a Lei do Mais Fraco”, de Hector Babenco, e “O Império dos Sentidos”, do diretor japonês Nagisa Ōshima.
O único outro cineasta do Japão que venceu em quase cinco décadas de premiação do Festival Sesc Melhores Filmes foi Akira Kurosawa, em 1986, pelo épico “Ran”, que faturou Filme Estrangeiro pelo Público. Ainda assim, o rol de realizadores asiáticos premiados é extenso, e conta com medalhões como Zhang Yimou (“Lanternas Vermelhas”, em 1992), Chen Kaige (“Adeus, Minha Concubina”, em 1993), Wong Kar-Wai (“Amor à Flor da Pele”, em 2002), Jia Zhangke (“Em Busca da Vida”, em 2007) e Bong Joon-ho (“Parasita”, em 2020).
No entanto, entre os vencedores em Melhor Filme Estrangeiro, tanto para a crítica quanto para o público, o país que mais soma troféus do festival é os Estados Unidos. Alguns dos diretores que triunfaram nas edições anteriores incluem os veteranos Woody Allen (“Hannah e Suas Irmãs”, em 1986 / “A Era do Rádio”, em 1987 / “Vicky Cristina Barcelona”, em 2008), Francis Ford Coppola (“O Selvagem da Motocicleta”, em 1987), David Lynch (“A Estrada Perdida”, em 1997), Clint Eastwood (“Menina de Ouro”, em 2005) e David Cronenberg (“Marcas da Violência”, em 2005). Certamente vale destacar cineastas lendários norte-americanos que já se foram, como John Huston (“Os Vivos e os Mortos”, em 1989) e Robert Altman (“Short Cuts – Cenas da Vida”, em 1994).
Na lista dos titãs do cinema brasileiro reconhecidos pela crítica e pelo público, o Festival Sesc Melhores Filmes atribuiu duplamente prêmios a Nelson Pereira dos Santos (“O Amuleto de Ogum”, em 1975 / “Memórias do Cárcere”, em 1984), Julio Bressane (“Os Sermões – A História de Antônio Vieira”, em 1990 / “Filme de Amor”, em 2004), Carlos Reichenbach (“Alma Corsária”, em 1994 / “Dois Córregos”, em 1999) e Eduardo Coutinho (“Santo Forte”, em 1999 / “Jogo de Cena”, em 2007).
E as mulheres? Pois bem, a primeira a ter um filme premiado no Sesc Melhores Filmes foi a nipo-brasileira Tizuka Yamazaki, em 1985, quando “Patriamada” foi o mais votado pelo público como Melhor Filme Nacional. Na edição seguinte, em 1986, a crítica escolheu “A Hora da Estrela”, de Suzana Amaral, como o filme brasileiro do ano. Inclusive, é de se notar que no histórico do festival, as cineastas mulheres do Brasil tiveram mais prestígio do que as profissionais estrangeiras. Juntando público e crítica, as únicas três realizadoras internacionais que tiveram seus esforços reconhecidos foram a neozelandesa Jane Campion (“O Piano”, em 1993 / “Ataque dos Cães”, em 2022), a polonesa Dorota Kobiela (codiretora da animação “Com Amor, Van Gogh”, em 2018) e a francesa Céline Sciamma (“Retrato de uma Jovem em Chamas”, em 2021).
Já entre as realizadoras brasileiras, além das duas já mencionadas, temos Daniela Thomas (codiretora de “Terra Estrangeira”, em 1995 / “Linha de Passe”, em 2009), Kátia Lund (codiretora de “Cidade de Deus”, em 2002), Anna Muylaert (“É Proibido Fumar”, em 2010 / “Que Horas Ela Volta?”, em 2016), Cecília Amado (codiretora de “Capitães da Areia”, em 2012) e Laís Bodanzky (“Como Nossos Pais”, em 2018).
Os queridinhos do público
No território do cinema nacional, em 49 anos de premiação, três cineastas brasileiros estão empatados com três prêmios cada na categoria Melhor Filme Nacional. O trio é composto pelo veterano Walter Lima Jr. (“Inocência”, em 1983 / “Eu, o Boto”, em 1987 / “A Ostra e o Vento”, em 1997), Walter Salles (“A Grande Arte”, em 1991 / “Terra Estrangeira”, codirigido por Daniela Thomas, em 1995 / “Central do Brasil”, em 1998) e, por fim, Kleber Mendonça Filho (“O Som ao Redor”, em 2014 / “Aquarius”, em 2017 / “Bacurau”, codirigido por Juliano Dornelles, em 2020).
O favorito da audiência entre os vencedores de Melhor Filme Estrangeiro é o espanhol Pedro Almodóvar, que já faturou três troféus do Sesc Melhores Filmes pelos longas “Tudo Sobre Minha Mãe” (1999), “Fale com Ela” (2002) e “A Pele que Habito” (2012). Na sua cola, está o dinamarquês Lars von Trier, premiado duplamente pelos filmes “Dançando no Escuro” (2000) e “Dogville” (2004).
Os queridinhos da crítica
Crítica e público não divergem tanto, pelo menos quanto à relação de cineastas mais premiados. Do cinema nacional, Walter Salles segue invicto em primeiro lugar com quatro prêmios em Melhor Filme Nacional. Aos três citados no parágrafo anterior, adiciona-se “Linha de Passe” (2009), codirigido por Daniela Thomas. Na sequência, está Kleber Mendonça Filho com os mesmos três filmes premiados pelo público.
Os nomes também se repetem entre os favoritos da crítica no cinema estrangeiro, mas a ordem é invertida. Lars von Trier é o mais premiado, com quatro troféus – além de “Dançando no Escuro” e “Dogville”, estão “Ondas do Destino” (1997) e “Melancolia” (2012) -, e Pedro Almodóvar fica em 2º lugar, com três distinções aos filmes “Tudo Sobre Minha Mãe”, “Fale com Ela”, e “Carne Trêmula”, em 1998.
Quando público e crítica entraram em acordo
Nas 42 edições em que tanto a crítica quanto o público participaram da votação – lembrando que os/as espectadores começaram a votar somente em 1980, no 7º ano do festival -, foram 18 vezes que coincidiram em premiar o mesmo filme brasileiro na categoria principal. Alguns exemplos dessa dobradinha vão desde clássicos, tais quais “Eles Não Usam Black-Tie” (1981), de Leon Hirszman, “A Dama do Cine Shangai” (1988), de Guilherme de Almeida Prado, e “Lavoura Arcaica” (2001), de Luiz Fernando Carvalho, até exemplares contemporâneos que já estão inscritos na história da cinematografia brasileira, como “Pacarrete” (2021), de Allan Deberton, e “Marighella”, de Wagner Moura, o grande campeão do ano passado.
Na categoria Melhor Filme Estrangeiro, o júri popular e da crítica concordaram 17 vezes. Foram os casos, por exemplo, de “Asas do Desejo” (1990), de Wim Wenders, “Paisagem na Neblina” (1991), do grego Theo Angelopoulos, e “Segredos e Mentiras” (1996), do britânico Mike Leigh, “Vincere” (2011), de Marco Bellocchio, e “Roma” (2019), do mexicano Alfonso Cuarón
Será que algum filme será duplamente premiado nas principais categorias em 2023? Acompanhe os próximos posts do blog para ficar por dentro das novidades e curiosidades do 49º Festival Sesc Melhores Filmes.