Percursor, Juventude Transviada já em 1955 mostrava nas telas de todo o mundo que ser jovem, a priori, é querer quebrar paradigmas e negar velhos padrões para construir sua própria identidade. E essa rebeldia ultrapassa as questões sociais e políticas. No caso do longa dirigido por Nicholas Ray, por quebrar os modelos antigos, entende-se principalmente por romper com os padrões “engomados”, de roupas, cabelo e postura das gerações anteriores. E pouquíssimos filmes conseguiram traduzir dramaticamente e visualmente o sentimento de inquietude da juventude tanto no visual quanto no comportamento como este clássico que deu a James Dean (o Jim Stark) o título de Enfant Terrible de Hollywood.
O jeito impertinente de desafiar milimetricamente os modos certinhos das décadas anteriores e do estilo de vida do pós-Guerra era uma das mais fortes ferramentas que os jovens da época tinham. Mais que apenas visual, a moda manda um recado, faz uma declaração pública de tomada de postura. No caso de Dean e de Juventude Transviada, abandonar, e até desprezar, os paletós de alfaiataria, o cabelo de lado, o lenço no bolso, a gravata, o sapato social, entre outros elementos estéticos, que a geração de seu pai usa, é uma forma de Jim e de outros jovens se afirmarem e tomarem posse de sua adolescência e juventude.
E Nicholas Ray que soube dar literalmente cores aos uniformes dos jovens do Pós-Segunda Guerra, introduzindo a jaqueta vermelha, o cabelo “gomalina” e o cigarro sempre prestes a cair da boca, tão leniente quanto a postura de Jim/Dean.
Na trama, aliás, o adolescente e agitador Jim Stark (James Dean) se muda para uma nova cidade. A princípio, ele está em busca de uma vida tranquila, mas acaba ficando amigo de Platão (Sal Mineo), um cara perturbado, e se apaixona por Judy (Natalie Wood), uma linda jovem do lugar. Só que ela namora Buzz (Corey Allen), o valentão do bairro. Quando Buzz enfrenta Jim e o desafia para uma corrida violenta, os problemas reais do novato no bairro realmente começam.
E assim também começa a trama de um dos maiores clássicos sobre a juventude, a rebeldia (muitas vezes aparentemente sem causa) e sobre a moda jovem. Mas por que os trejeitos, looks e comportamento de Dean se tornaram tão icônicos para gerações e gerações? Talvez porque este “espírito do tempo” já estava dando o ar de sua graça em revistas de moda da época e em várias produções. Mas foi em Juventude Transviada que ela realmente ganhou força e até hoje se mantém.
Romper com os ícones do passado para construir um novo comportamento
Símbolos da vontade de construir uma nova moral, os elementos estéticos do longa foram os primeiros a retratar visualmente esta mudança. No caso deste filme, é sempre o figurino que está literalmente mais em evidência, com suas cores propositadamente fortes.
Vale lembrar que Marlon Brando já tinha anunciado que tudo mudaria em Um Bonde Chamado Desejo, que é de 1951 e quatro anos mais velho que Juventude Transviada, de 1955. Em 1953, com seu mítico Johnny Strabler de O Selvagem, ele sedimentou o “uniforme do jovem de atitude”: Jaqueta Perfecto (que até hoje é fabricada pela marca que fez a do filme, a Schott Bros), calça jeans deep blue (o azul profundo), camiseta branca e o lendário cap de couro.
A moda sempre capta o espírito de um tempo. E os elementos estéticos do filme são sinônimo de adolescência, de juventude, rebeldia, contra-cultura. Se hoje a moda e a rebeldia são ecléticas, em um tempo em que se pode tudo ao mesmo tempo agora, ainda há os engomados, os clássicos, a alta costura, a alfaiataria. E estes ainda, mesmo quando usados por jovens (em um movimento que existe, uma vez que a moda masculina – a alta moda, a das grifes – nunca esteve tão sofisticada), são sinônimos de códigos clássicos de ser e de vestir.
E mesmo entre os que já chegaram à meia idade (vide os motobikers, os apaixonados por motocicletas, os roqueiros) hoje podem usar tranquilamente jeans, camiseta, jaquetas de nylon, perfectos… Sem contar as tatuagens, que não chegam forte em Juventude Transviada, mas que aparecem com toda força logo em seguida.
Crucial é o fato de que o “ar de juventude” até hoje é buscado por todos. E talvez esteja nesta busca pelo estético que nos remete ao ético o que torne, aí sim, Juventude Transviada um clássico eterno, numa perene busca do que há de rebelde, ainda que sem causa e de smartphones na mão, em cada um de nós.
Juventude Transviada não “inventou” o look do jovem rebelde, mas o consolidou. E fez mais. O consolidou em cores e o projeto em milhares de telas do mundo. Imagine na força disso em plenos anos 50, quando o cinema tinha uma força de influência das massas muito mais forte que hoje, no sentido de trazer a novidade, de ditar tendências de moda, comportamento, política.
Jaquetinha vermelha básica
O figurino do filme constrói boa parte da força narrativa do filme desde a escolha das cores. Aliás, pensemos que, originalmente, o filme seria em preto-e-branco. A Warner Bros só decidiu filmá-lo em cinemascope e em cores quando o longa já estava em fase de pré-produção. Decisão muito acertada. Se o filme fosse preto-e-branco, jamais o vermelho vivo (conseguido graças a um processo “exagerado” de tingimento) teriam impresso tão bem a cor da rebeldia, e da inquietude, em gerações de jovens cinéfilos.
Pensando em uma evolução do figurino que acompanha a narrativa do filme, é interessante pensar já nas primeiras cenas. No começo, na delegacia, Jim (Dean) usava gravata e camisa com punhos abotoados e seu cabelo estava menos gomalinado. A gola estava já “uma dobrada e a outra levantada”, a gravata com o nó mal feito, anunciando visualmente a instabilidade e as mudanças que viriam logo depois na personalidade do protagonista.
Em outras cenas, mais adiante, em que ele aparece ao lado de Judy (Natalie Wood), Jim ainda usa paletó de tweed, camisa branca e a clássica biancheria (as camisetas brancas, com ou sem manga, que servem de roupa de baixo). Ao final, Jim joga a gravata e a camisa fora e termina o filme só com a biancheria e a jaqueta folgada vermelha. Isso sem contar o jeans, justo ao corpo, que nunca esteve tão em voga.
O figurino colabora para a narrativa na medida em que estabelece este código de conduta e de personalidade aos personagens. Jim é o cara que chega na nova escola e destoa dos colegas. Não só pelo vermelho de sua jaqueta (a cor, aliás, não por acaso não é preta ou marrom. O vermelho salta aos olhos feito sua verve rebelde) mas pela gola petulantemente alta, o topete que lhe dá um ar de superioridade, a calça justa… Tudo destoando dos suéteres corretinhos e dos uniformes e agasalhos esportivos dos outros alunos. Visualmente o conflito e as diferenças entre ele e os demais se estabelece de imediato.
Aliás, vale comentar que, como todo figurinista faz, em geral em parceria com o diretor de arte, os três principais personagens têm uma palheta de cor só sua, que definem suas personalidades. A de Jim já é óbvia, calcada no branco, azul e vermelho. A do rebelde Buzz (Corey Allen) varia em tons de branco e preto, em sua perfecto de couro preta imponente. A de Judy vai do vermelho (do casaco do início) ao rosa (na “certinha” camisa polo), passando pelo cinza (saia godê).
Aliás, Judy, mesmo que rompa com o pai autoritário e fuja de casa, ainda simboliza o Ladylike, o estilo das donas-de-casa impecáveis dos anos dourados. Mas foi em Juventude Transviada que menos parece ter se tornado mais: “se vestir de menos”, menos arrumado, menos engomado, foi sinônimo de ser mais fashion, mais descolado. Este despojamento virou sinônimo de juventude e isso resistiu, a meu ver, até pouco tempo, quando, com o fim de todas as tendências monotemáticas e a era do “tudo é tendência o tempo todo agora”, passou a haver lugar para todos, desde os mais engomados e montados até os mais simples.
Dito tudo isso, o combo camiseta branca justa ao corpo, jeans e jaqueta é um clássico da moda, tanto masculina quanto feminina (que, diga-se de passagem assumiu isso forte no cinema com Grease). Tirando os “folgados” tempos do grunge, este visual nunca sai de moda. E cada um, seja mais rocker, hipster, geek, faz, no melhor estilo pós-moderno, sua própria releitura e sua própria moda.
por Flavia Guerra
(Foto: imagem de divulgação do filme Juventude transviada)