Por Elton Telles
Eduardo Coutinho, João Moreira Salles, Helena Solberg, Andrea Tonacci, Geraldo Sarno, Vincent Carelli, Lúcia Murat e Silvio Tendler. De cabeça, selecionei apenas oito nomes, mas poderia preencher um parágrafo enumerando cineastas nacionais – ou radicados no Brasil – que são pedras fundamentais da produção documental na cinematografia brasileira.
O reconhecimento do país como um celeiro de grandes documentaristas se estende até os dias atuais. Como exemplo, nos últimos anos, vários longas-metragens brasileiros foram celebrados em premiações de cinema e festivais internacionais renomados. “A Última Floresta”, de Luiz Bolognesi, venceu o prêmio do público na mostra Panorama do Festival de Berlim em 2021; no ano anterior, a diretora Petra Costa levou o Brasil para o Oscar defendendo “Democracia em Vertigem” entre os candidatos na categoria Melhor Documentário; no Festival de Veneza, em 2019, “Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”, de Bárbara Paz, foi consagrado com o prêmio de Melhor Documentário.
Em 2022, enriquecendo a lista de documentários premiados mundo afora – e ainda estamos no mês de abril -, “O Território”, de Alex Pritz, foi duplamente coroado no Festival de Sundance com o Prêmio do Público e o Prêmio Especial do Júri para Arte Documental; e “Mato Seco em Chamas”, de Joana Pimenta e Adirley Queirós, foi vencedor do principal prêmio do Cinéma du Réel, tradicional e requisitado festival de documentários na França.
Passeando pelas obras documentais clássicas e também contemporâneas, é vibrante observar a diversidade de temáticas aplicadas a diferentes estilos e linguagens, além da maneira singular com que as múltiplas facetas do Brasil podem ser examinadas. Independentemente do “objeto em análise”, seja um episódio histórico, um mero personagem específico ou ainda o típico filme-homenagem, é praticamente impossível isolar o país da prática de documentar; o tempo e o espaço não são elementos excludentes neste exercício.
Mais interessante do que a inesgotável discussão de que o documentário é ou não uma “reprodução da realidade” é identificar a natureza da abordagem e o recorte feito do Brasil no decorrer do filme.
No último ano, bastante atípico para os cinemas por conta do auge da pandemia, das 108 produções nacionais que estrearam no circuito, 40 foram documentários. Em comum, todos eles traçam direta ou indiretamente um retrato do Brasil. O já citado “A Última Floresta”, premiado pelo júri da crítica do 48º Festival Sesc Melhores Filmes, se apropria de elementos ficcionais para narrar a existência ameaçada do povo Yanomami com a chegada dos homens brancos. O extermínio dos povos nativos pelas mãos de garimpeiros é o que, infelizmente, acompanhamos em qualquer portal de notícias nos dias de hoje. No filme de Bolognesi, a beleza e a tradição são sufocadas por um Brasil com as mãos sujas de sangue.
Também vencedor do festival pelos votos do público, o documentário musical “Chorão – Marginal Alado”, de Felipe Novaes, envereda para o lado da fama e cultura pop. O biografado Chorão, vocalista da extinta banda fenômeno Charlie Brown Jr., é o pivô no resgate do que foi a cena do rock n’roll nacional no final dos anos 1990 e durante a década de 2000. Presente na programação do 48º Festival Sesc Melhores Filmes, “Cine Marrocos”, de Ricardo Calil, também se concentra na vertente artística ao mesmo tempo que denuncia a omissão do Estado no tratamento digno de pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Ambos com veia declaradamente política, “Alvorada”, das diretoras Anna Muylaert e Lô Politi, e “Chão”, de Camila Freitas, utilizam a estrutura documental para mostrar os desdobramentos de episódios distintos e decisivos. Enquanto o primeiro ganha forma na observação dos acontecimentos que culminam no impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, “Chão” propõe uma imersão na realidade do Movimento Sem Terra, captando a rotina vivenciada pelos ocupantes nas terras de uma usina de cana-de-açúcar em processo de falência no interior de Goiás.
Adornando com impressionantes imagens de arquivo e construído no formato tradicional dos documentários, com direito a entrevistas pingue-pongue e depoentes em primeiro plano, “Libelu – Abaixo a Ditadura”, de Diógenes Muniz, volta ao passado dos anos de chumbo da ditadura civil-militar para refletir o Brasil do presente e o que se pode esperar da nação no futuro.
Os documentários “Chão” e “Libelu – Abaixo a Ditadura” entram em cartaz com tempo limitado nesta sexta-feira e sábado, respectivamente, com exclusividade na plataforma Sesc Digital.