“Sou uma colecionadora, só não sei de quê”, brincou Rochelle Costi durante a conversa realizada como parte da programação do 45º Festival Sesc Melhores Filmes na segunda-feira (15). No entanto, quem acompanhou o bate-papo com a artista visual, mediado pelo jornalista e apresentador Cunha Júnior, logo descobriu o que a gaúcha se interessa em compilar: fragmentos da intimidade e referências ao ambiente doméstico.
Dona de uma coleção de objetos em formato de coração e de um conjunto de casinhas em miniatura, a preocupação de Rochelle está em explorar a manifestação estética de espaços privados e como eles se comportam em relação ao olhar do público. E esta dualidade entre o individual e o coletivo é, justamente, o que orienta os trabalhos da exposição Cinemagético, projeto assinado pela artista que ocupa todo o saguão do CineSesc.
A obra é composta por padronagens geométricas criadas a partir dos cartazes dos filmes selecionados que, como papel de parede, forram o hall da unidade. Na parede do fundo, uma terceira padronagem, elaborada com os cartazes dos 10 filmes vencedores pela votação do público e da crítica, divide espaço com caixas que reproduzem a frente de um palco de teatro – conhecida como “boca de cena” – e que trazem imagens das produções premiadas.
De acordo com a artista, a ideia de desenvolver um padrão surgiu da vontade de homenagear o princípio de movimento da linguagem cinematográfica. “A intenção é remeter a esta coisa contínua do celulóide”, disse. Já para as cenas que fazem parte das caixinhas, o esforço foi em capturar espaços mais fechados, que fossem valorizados pela superfície limitadas dos suportes. Desta forma, como se olhássemos pelo buraco de uma fechadura, cada filme se revela em seu momento mais particular, resultado que dialoga com toda a pesquisa sobre privacidade na obra de Rochelle Costi.
Primeiros contatos
Quando aceitou montar o Cinemagético no CineSesc, ainda não havia a lista final de filmes premiados. Rochelle Costi topou o desafio, principalmente por não se tratar de um espaço expositivo convencional. “Me interessa muito o público que é pego de surpresa”, explicou.
Definidos os vencedores, outro desafio: a artista confessou que conhecia pouco das produções que estreiaram em 2018, porque esse foi o ano em que ela menos assistiu a filmes. “Me coloquei essa tarefa de escolher uma cena que melhor representasse cada filme”, revelou. Este primeiro contato com os longas não impediram, porém, que ela cobrisse de elogios alguns trabalhos como Infiltrados na Klan, de Spike Lee, O Beijo no Asfalto, de Murilo Benício, e Roma, de Alfonso Cuarón, cuja fotografia, segundo Rochelle, “é absurdamente panorâmica”.
Na hora de colocar a mão na massa, a artista não dispensou nenhuma etapa da criação. Estimulada pelas práticas da manufatura, Rochelle afirmou que fez questão de fotografar as cenas de todos os filmes e de não terceirizar nenhum processo. “Achei que o trabalho ganhava muito mais com isso”. O serviço, inclusive, teve que ser concluído nos horários mais improváveis, para que o público não tivesse acesso à revelação dos prêmios. Rochelle lembrou de vezes como quando teve que esperar o fim de um debate da Mostra Tiradentes em uma segunda-feira à noite para preparar a exposição: “quando todos foram embora a gente ficou fazendo até as 2 horas da manhã”.
O particular de Rochelle Costi
A busca por uma identidade e os aspectos íntimos evidenciados em Cinemagético acompanham toda a produção visual da carreira de Rochelle Costi. Na série “Quartos”, exposta na Bienal Internacional de Arte de São Paulo de 1998, por exemplo, a artista fotografou e revelou em grande escala os quartos de moradores de diversas regiões da cidade. No projeto “Toalhas”, apresentado na 6ª Bienal de Havana (1997), por sua vez, a artista criou estampas a partir da fotografia de itens poucos convencionais, como flores murchas, frutas podres e até pés de galinha. “A referência doméstica está aqui e está lá também”.
Este interesse em torno do ambiente familiar tem, para Rochelle, muita relação com a experiência traumática de ter se mudado do sítio onde morava em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, para um apartamento na capital Porto Alegre durante a infância. “Essas origens são inegáveis e eu prezo muito por elas”.
Mas se o hábito de colecionar objetos começou para suprir essa lacuna, a artista garantiu que o encanto pelas artes visuais esteve presente desde muito cedo na sua vida. “Eu fotografo desde pequenininha”, ressaltou, citando o fato de que ganhou a sua primeira máquina fotográfica aos 6 anos de idade. “Acima de tudo, eu sou uma curiosa”.