Mulheres no cinema 2017: ano de conquistas, prêmios e luta

Quando o assunto é a presença das mulheres no cinema em 2017, tanto em cena quanto nos bastidores, há muito o que se comemorar, muito o que se ponderar e muito o que ser feito ainda, tanto no cenário nacional quanto internacional.

De positivo, 2017 foi o ano de movimentos importantes, tanto individuais quanto coletivos, pelo fim do assédio, pela paridade de gênero nas equipes e por mais histórias protagonizadas por personagens femininas. Por outro lado, as profissionais do cinema ainda estão em minoria em cargos como direção, roteiro e direção de fotografia.

Levando-se em conta o mercado norte-americano, as diretoras representam  11% do total e, entre os 100 filmes de mais bilheteria de Hollywood no último ano,  mulheres foram protagonistas de 24% dos títulos. Quando o assunto é a presença das realizadoras no mercado brasileiro, pode-se apontar, em uma análise rápida, que, entre os 132 longas nacionais lançados comercialmente em salas de cinema em 2017, cerca de 21% tem diretoras assinando a autoria, tanto solo quanto dividindo com um diretor.

Vale ressaltar que no Brasil, os números, segundo dados disponibilizados pelo OCA (Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual da ANCINE – OCA), apontam que de 1970 a 2016, 2% dos filmes que tiveram mais de 500 mil espectadores foram dirigidos e 8% foram roteirizados por mulheres. O total corresponde a 498 longas, dos quais nenhum contou com diretor negro, 2% contaram com roteiristas negros e apenas teve uma roteirista negra, Julciléa Telles, que assina o roteiro de A Gostosa da Gafieira (1981) com Roberto Machado.

Em pauta, as necessárias mudanças

Se historicamente os dados revelam a disparidade do setor, o ano de 2017 e a história recente assinalam mudanças necessárias. Nunca se debateu tanto quão importante é a equiparação de salários, oportunidades, paridade e diversidade nas equipes, além da luta pelo fim do assédio moral e sexual contra as mulheres do audiovisual.

Da indústria americana (tanto a de cinema comercial quanto a cena independente), surgiram movimentos como o #metoo e o Time’s Up, que ecoaram em todo o mundo e inspiraram mulheres a se mobilizarem em seus países. No Brasil, as Mulheres do Audiovisual cada vez filmam mais, organizam-se e assumem posições criativas e de comando nos projetos.

Realizadoras brasileiras: temas urgentes e prêmios internacionais e nacionais

Se o circuito comercial brasileiro revela grande desigualdade, parte expressiva dos filmes dirigidos por mulheres se destacou em festivais no Brasil e no exterior, além de terem levantado discussões relevantes sobre a representação feminina no cinema.

Para citar alguns exemplos, o ano começou com Baronesa, de Juliana Antunes, vencendo o principal prêmio do Festival de Tiradentes, que tem sua edição em São Paulo no CineSesc em março (a edição deste ano ocorre de 15 a 21 deste mês). Em fevereiro, Laís Bodanzky e seu quarto longa de ficção, Como Nossos Pais,  levaram ao Festival de Berlim a história de Rosa e os dramas muito reais da mulher contemporânea. O filme levaria seis dos principais prêmios no Festival de Gramado em agosto (Filme, Direção, Atriz para Maria Ribeiro, Ator para Paulo Vilhena, Atriz Coadjuvante para Clarisse Abujamra e Montagem para Rodrigo Menecucci). Como Nossos Pais estreou comercialmente no mesmo mês com recepção calorosa da crítica e do público e acendeu o debate sobre os pequenos-grandes machismos do cotidiano.

Já o potente Era o Hotel Cambridge, de Eliane Caffé, revelou a luta dos moradores sem-teto que ocupam um prédio em São Paulo e enfrentam dia-a-dia a ameaça de despejo. Na trama, atores e não-atores são liderados por uma personagem extraordinária tanto na tela quanto no campo de ação real: Carmen Silva.

Para mencionar outros filmes notáveis, que receberão uma análise mais aprofundada em futuros textos, A Cidade Onde Envelheço, de Marília Rocha, melhor filme do Festival de Brasília 2016, contou a história de duas portuguesas que tentam se adaptar à vida de Belo Horizonte. Já o documentário Arpilleras: Atingidas por Barragens Bordando a Resistência trouxe o drama de cinco mulheres de várias regiões do País diante da mudança e da violência que suas vidas passaram a ter com a chegada de operários nas pequenas cidades que abrigam as obras de hidrelétricas.

Não se pode esquecer do belo Pendular, segundo longa de Julia Murat, que revela a história de amor e profissional de uma bailarina e um escritor. O filme também foi premiado no Festival de Berlim 2017, onde recebeu o prêmio da FIPRESCI (Federação Internacional de Críticos de Cinema) na seção Panorama.

Ainda merece destaque A Mulher do Pai, de Cristiane Oliveira, que recebeu o prêmio de melhor direção no Festival do Rio 2016, além de Melhor Atriz Coadjuvante, para a uruguaia Verónica Perrota, e Melhor Direção de Fotografia para Heloísa Passos. Já As Boas Maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra, levou o troféu Redentor do Festival do Rio 2017, em outubro, e o Prêmio Especial do Júri no Festival de Locarno na Suíça, em agosto

Nos documentários, Leandra Leal estreou na direção com o genial Divinas Divas, e Camila Pitanga também se tornou diretora e realizou Pitanga (em parceria com Beto Brant) filme sobre seu pai, Antonio Pitanga, um dos maiores nomes do cinema brasileiro. Já Lúcia Veríssimo dirigiu Eu, Meu Pai e Os Cariocas, que abriu o Festival É Tudo Verdade, em abril, e venceu o Festival In-Edit Brasil, em junho. E Alice Riff narrou com Meu Corpo É Político o cotidiano de transsexuais nas periferias do País.

Para citar dois títulos dirigidos por realizadoras estrangeiras que foram destaque no circuito de festivais nacional, o impactante O Pacto de Adriana, da chilena Lissette Orozco, foi o grande vencedor da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2017 em novembro; e o argentino Ninguém Está Olhando, de Julia Solomonoff, levou os prêmios de Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Edição e o prêmio da crítica  do Cine Ceará, em agosto.

De Cannes a Mulher Maravilha: fazendo história nos sets e nas premiações

De volta ao cenário internacional e comercial, Patty Jenkins escreveu um novo capítulo da história ao se tornar a primeira diretora à frente de um filme de super herói: o fenômeno Mulher Maravilha. Por mais representante da grande indústria que seja, o longa estrelado por Gal Gadot provocou debates em todo o mundo sobre a representação feminina tanto em filmes de ação quanto em outras produções; e seus ecos têm reverberado na escolha de novas histórias a serem filmadas tanto em Hollywood como em outros mercados.

Antes disso, em maio, o júri do Festival de Cannes, presidido por Pedro Almodóvar, contou com a presença marcante de Maren Ade, diretora de Toni Erdmann, um dos favoritos na edição 2016 do evento, do qual saiu sem prêmios. Depois de disputar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (que acabou sendo dado para O Apartamento, de Ashgar Farhadi), Maren afirmou que estava adorando fazer parte de uma comissão como a do júri do mais importante festival de cinema do mundo para “aprender como tudo funciona”. A seu lado na comissão feminina do júri, estava a atriz e produtora Jessica Chastain, a atriz, cineasta e cantora francesa Agnès Jaoui e a atriz e produtora chinesa Fan Bingbing.

A diversidade do júri (que ainda teve os diretores Paolo Sorrentino,  Park Chan-wook, Will Smith e o compositor francês Gabriel Yared) fez diferença. Pela segunda vez na história, uma realizadora, Sofia Coppola, levou a Palma de Ouro de Melhor Direção por O Estranho que Amamos.

Oscar 2018: o poder midiático a serviço da transformação

Se festejada na Riviera Francesa, Sofia foi ignorada no Oscar 2108. Nem ela e nem seu longa conseguiram nenhuma indicação em uma edição que, ao menos nas indicações e na festa de entrega dos prêmios, foi uma das mais inclusivas. A edição que celebra as produções mais mainstream do cinema americano deu a Greta Gerwig a quinta indicação de uma diretora a melhor Direção, sem contar a de Melhor Filme, Roteiro e Atriz para Saoirse Ronan e atriz coadjuvante para Laurie Metcalf.

Já pelo trabalho em Mudbound – Lágrimas do Mississipi, Rachel Morrison entrou para a história como a primeira mulher a disputar o Oscar de Melhor Fotografia. O longa dirigido pela cineasta Dee Rees ainda disputou Melhor Roteiro Adaptado (por Rees e Virgil Williams).

Vale lembrar que, em 90 edições do Oscar, não chegam a 20 produções os filmes indicados a Melhor Filme estrelados por mulheres.  Ao menos, pela primeira vez desde 2005, o grande prêmio da noite foi para um filme protagonizado por uma personagem feminina: Elisa (Sally Hawkins) em A Forma da Água.

Ainda que as indicações para as profissionais do cinema tenham sido várias e a festa tenha contado com um número especial em defesa da importância do movimento Time’s Up (por respeito e paridade), na conta final das premiações as mulheres levaram apenas seis estatuetas, todas divididas com homens.

Hollywood é, obviamente, também uma grande máquina midiática que sabe usar seu poder para causas urgentes, como a maior diversidade de profissionais negros nos sets e nas histórias filmadas. No entanto, é importante estar atento para o fato de que a onda que começou em setembro com as denúncias dos abusos do ex-produtor Harvey Weinstein continue tendo efeitos práticos não só no cinema americano, mas em todos os  cenários audiovisuais internacionais.

Já no Brasil, além de paridade nas comissões de avalições de projetos, a Ancine (A Agência Nacional de Cinema)  debate atualmente a criação de políticas para que o setor seja mais igualitário, além de ter instaurado recentemente a Comissão de Gênero, Raça e Diversidade. Há de fato muito o que se comemorar e muito a se conquistar com demandas, ações e políticas culturais. Que venha a safra de 2018!

por Flavia Guerra

(Imagem: divulgação do filme Era o Hotel Cambridge)

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