A hora e a vez da mudança projetada no Oscar e no 44º Festival Sesc Melhores Filmes

Se a safra cinematográfica de 2017 foi memorável, o Oscar, como a maior festa midiática do cinema mundial, não poderia ser menos. Não pelo espetáculo em si, que até premiou o discurso mais curto da noite com um jet sky para que a festa não se alongasse demais e cansasse o público em casa. A 90edição dos prêmios da Academia vai entrar para a história como a mais progressista e com os pés dentro do cinema e no mundo real. 

Obviamente a realidade se impõe sobre um clube seleto de profissionais de Hollywood, que não pode mais ignorar abusos com os do ex-produtor Harvey Weinstein e o fato de que somente 11% dos diretores de filmes nos Estados Unidos são mulheres.

Time’s Up – A hora de mais diversidade, respeito e igualdade

Para tentar começar a compensar o desequilíbrio, a Academia dedicou um número inteiro para o movimento Time’s Up, apresentado por Ashley Judd, Annabella Sciorra e Salma Hayek, o trio que (entre outras dezenas de profissionais do audiovisual) denunciou os assédios de Weinstein. “Saudamos os espíritos incansáveis que lutaram e quebraram as percepções preconceituosas contra seu gênero, sua raça e sua etnia para contar as suas histórias”, afirmou Salma Hayek antes de anunciar um vídeo em que nomes como Mira Sorvino, Ava DuVernay, Lee Daniels, Dee Rees, Yance Ford, Greta Gerwig, Kumail Nanjiani, Geena Davis e Barry Jenkins falaram sobre o quanto não só a sociedade mas também o cinema pode tratar mais (e até lucrar mais, como observou o diretor Najiani) promovendo inclusão, respeito, igualdade e diversidade.

Como observou Ashley Judd, essas questões foram a promessa de 2017. Não por acaso também foram o tema principal do 90o Oscar e vão continuar sendo a pauta do cinema mundial em 2018.

Se o cinema é de fato termômetro da sociedade, também não foi por acaso a premiação máxima de A Forma da Água. Além de ser dirigido por um “imigrante”, como o diretor Guillermo del Toro bem afirmou, o longa de fantasia traz nas entrelinhas um questionamento importante sobre onde reside a verdadeira monstruosidade do mundo contemporâneo.

O terror psicológico Corra! foi também um dos destaques da noite. Seu diretor Jordan Peele, além de ser o terceiro realizador, em 90 anos de premiação, a ser indicado a Melhor Filme, Direção e Roteiro por seu filme de estreia, fez história ao se tornar o primeiro negro a receber o Oscar de Roteiro Original. Ao lado de Barry Jenkins, diretor premiado com o Oscar de Melhor Filme em 2017 por Moonlight – Sob a Luz do Luar, Peele já entra para um grupo importante de realizadores negros que estão mudando a cara de Hollywood. Ao time, somam-se cineastas como Ava DuVernay (indicada a Melhor Documentário em 2017 por 13a Emenda e diretora do ainda inédito Uma Dobra no Tempo) e Yance Ford (diretor transexual indicado a Melhor Documentário 2018 por Strong Island), além de Ryan Coogler (de Pantera Negra).

Celebração aos latinos e a Daniela Vega

Entre as mulheres, Greta Gerwig foi a quinta diretora a ser indicada a Melhor Direção por Ladybird – A Hora de Voar e Rachel Morrison foi aplaudida por ser a primeira diretora de fotografia indicada na categoria, por seu trabalho em Mudbound – Lágrimas do Mississipi, dirigido por Dee Rees, indicada também a Melhor Roteiro Adaptado.

Já os latinos não poderiam ter dado uma melhor resposta ao presidente Trump, sua postura em relação aos imigrantes e seus seguidores. O Oscar de Filme Estrangeiro foi para o chileno Uma Mulher Fantástica, estrelado pela atriz transexual Daniela Vega, que desbancou ótimos concorrentes como The Square, de Corpo e AlmaSem Amor e O Insulto.

Daniela Vega também fez história a ser a primeira transexual a anunciar um número no Oscar, o da canção “Mistery of Love” de Me Chame Pelo Seu Nome, que perdeu o prêmio para Viva – A Vida É Uma Festa. E mais uma celebração à cultura latino-americana. “Este filme só existe porque a cultura mexicana existe”, disse o diretor Lee Unkrich. 

O México entra também para o panteão dos países a ter três de seus diretores premiados quatro vezes pela Academia: Guillermo del Toro, com A Forma da Água, Alejandro González Iñárritu, com Birdman e O Regresso, e Alfonso Cuarón, com Gravidade. “Eu também sou um imigrante. Chutem a porta”, disse Del Toro ao agradecer seu Oscar de Melhor Filme e apontar para Greta Gerwig.

Inclusion Rider e a mudança real

Gesto importante de del Toro, pois simbolicamente, a noite foi das mulheres, ainda que, na prática, só seis tenham saído do Teatro Dolby com estatuetas. Para encerrar a festa e abrir uma nova discussão, foi perfeito o discurso inflamado e inspirado de Frances McDormand. Após ganhar a estatueta de Melhor Atriz por sua performance em Três Anúncios para um Crime, convocou as mulheres presentes na premiação a se levantarem e terminou deixando a plateia com duas palavras: “inclusion rider”. O termo é uma cláusula que permite a atores e atrizes que assinam contratos de filmes que suas equipes tenham pelo menos 50% de diversidade tanto na frente quanto atrás das câmeras.

Em entrevista coletiva após a premiação, Frances afirmou que só descobriu a cláusula há uma semana. “Não vamos retroceder. Toda esta ideia de que mulheres são tendência? Não são. De que afro-americanos são tendência? Não. Isso muda agora. E (a cláusula) inclusion rider pode significar uma mudança real.”

Esta mudança já começou e foi projetada nas telas e também no público em 2017. E certamente será projetada no 44oFestival Sesc Melhores Filmes. Como disse o diretor Lee Daniels, estamos prontos para mais Corra, mais Pantera Negra, mais Uma Dobra no Tempo, mais Moonlight, mais Uma Mulher Fantástica e tantos outros filmes. (Para quem está ansioso pelo festival, que acontecerá de 5 a 25 de abril, em breve a programação completa será divulgada. Não perca!)

Por Flavia Guerra

(Imagem: divulgação do filme Corra!)

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