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Literatura, teatro e música: o roteiro adaptado no cinema e a tradução para o audiovisual

É incerta a informação de qual foi o primeiro título cinematográfico adaptado de uma obra literária. Alguns teóricos afirmam que se trata de “Trilby e o Pequeno Billee”, curta-metragem lançado em 1896 com apenas 22 segundos de duração e que recria uma passagem do livro “Trilby”, escrito pelo francês Gerald du Maurier. 

Outras fontes atribuem o pioneirismo de unir cinema e literatura ao “pai do cinema fantástico” Georges Méliès, quando lançou – também em 1896 – “L’arroseur”, filme de 1 minuto adaptado de uma HQ intitulada “Arrosage Public”. Esta obra de Méliès é considerada perdida porque não existem mais cópias disponíveis. Por conta deste infortúnio, há quem credite a primeira adaptação literária a George Albert Smith e o seu “Cinderela”, de 1898, baseado no conto de fadas de Charles Perrault. 

Desencontros à parte, uma certeza que se tem é de que a literatura foi absorvida pelo cinema nos seus primórdios. E a partir de então, surge o conceito de um “roteiro adaptado”, que é basicamente a transposição para o audiovisual de um material previamente existente, seja uma obra literária e seus múltiplos gêneros (romance, conto, crônica…), uma ópera, uma peça teatral e até mesmo uma canção.  

Cinema Nacional 

Dentre os lançamentos do cinema brasileiro em 2022, um exemplo de adaptação cinematográfica a partir de uma música é o longa “Eduardo e Mônica”, de René Sampaio. No romance, os atores Gabriel Leone e Alice Braga dão vida aos personagens-títulos entoados na voz de Renato Russo, vocalista da Legião Urbana. Outro caso é o drama afetivo “Ela e Eu”, de Gabriel Rosa de Moura. O título do filme é homônimo a uma canção de Caetano Veloso, cuja melancolia da letra embala a história de Bia (Andréa Beltrão), uma mulher que desperta após 20 anos em coma e passa por uma fase de adaptação com a família, incluindo a filha já adulta.  

Gabriel Leone e Alice Braga em "Eduardo e Mônica".
Gabriel Leone e Alice Braga em “Eduardo e Mônica”. Foto: Divulgação

“Medida Provisória”, de Lázaro Ramos, foi inspirado em uma peça teatral chamada “Namíbia, Não!”, escrita pelo dramaturgo Aldri Anunciação. Ramos estava envolvido com a história distópica desde o início, tendo dirigido a primeira montagem da peça, que aconteceu em 2011, em Salvador. Posteriormente, “Namíbia, Não!” foi publicado em formato de livro pela editora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o que rendeu a Anunciação o Prêmio Jabuti, maior honraria da literatura brasileira, na categoria Juvenil. O texto “traduzido” para o cinema também colheu bons frutos, já que “Medida Provisória” atraiu 408 mil espectadores e foi uma das maiores bilheterias nacionais do ano passado.  

Por falar em sucesso, “Pluft, o Fantasminha”, de Rosane Svartman, é um fenômeno entre o público infantil. O filme é adaptado da peça homônima escrita em 1955 pela dramaturga mineira Maria Clara Machado, uma das mais importantes autoras do teatro infantil brasileiro. A história do simpático fantasminha que tem medo de humanos atravessou gerações, fez parte da infância de muita gente e hoje é tombadoa como um clássico. Para quem tiver interesse em conhecer mais sobre a vida e obra da autora, fica a  sugestão: “O Tablado e Maria Clara Machado”, documentário de Creuza Gravina, que mescla imagens de arquivo com entrevistas de ex-alunos do Tablado, a escola de teatro fundada por Machado.  

Tanto “Pluft, o Fantasminha” quanto “O Tablado e Maria Clara Machado” estrearam no circuito de cinema no ano passado, portanto, são candidatos ao 49º Festival Sesc Melhores Filmes, cujos vencedores serão anunciados no dia 5 de abril. Outras produções lançadas em 2022 que se originaram dos palcos são “A Colmeia”, de Gilson Vargas, adaptação da peça de mesmo nome escrita pelo gaúcho Diones Camargo; e “Aldeotas”, de Gero Camilo, que também dirige e protagoniza ao lado de Marat Descartes a versão cinematográfica sobre o reencontro de dois amigos para o último adeus.  

Paulo Miklos em "Jesus Kid".
Paulo Miklos em “Jesus Kid”. Foto: Divulgação

Quanto aos filmes com roteiros adaptados da literatura, o atual cinema brasileiro oferece títulos variados e de diferentes gêneros. O faroeste cômico “Jesus Kid”, de Aly Muritiba, é baseado no livro homônimo de Lourenço Mutarelli, lançado em 2000. O filme, vencedor de 3 Kikitos no Festival de Gramado, narra a saga de um escritor decadente (Paulo Miklos) que topa se hospedar em um hotel a convite de um produtor de cinema para escrever o roteiro de um filme. Miklos também atua em “O Clube dos Anjos”, do diretor e roteirista Angelo Defanti, que adaptou o romance de Luís Fernando Veríssimo para o cinema. Aliado ao humor ácido que mistura morbidez com gastronomia, o filme tem seu ponto forte no elenco, que inclui Otávio Muller, Marco Ricca e Matheus Nachtergaele.  

A cinebiografia “Eike – Tudo ou Nada”, da dupla Andradina Azevedo e Dida Andrade, é adaptada do best-seller de 2014, “Tudo ou Nada”, da jornalista Malu Gaspar. O filme acompanha a ascensão e o declínio do império chefiado pelo empresário Eike Batista (papel de Nelson Freitas), que foi sucumbido pelo envolvimento em vários escândalos de corrupção. Outro sucesso do mercado editorial que ganhou as telas de cinema em 2022 foi “O Papai é Pop”, escrito pelo jornalista Marcos Piangers. Estrelado por Lázaro Ramos e Paolla Oliveira, a adaptação cinematográfica “Papai é Pop”, de Caíto Ortiz, é um filme fofo para assistir com a família, e foi livremente inspirado nas crônicas do autor sobre a descoberta da paternidade na interação com as filhas pequenas.  

A escritora espiritualista Zíbia Gasparetto teve uma de suas obras transcritas para as telonas. “Nada é Por Acaso”, de Márcio Trigo, acompanha a jornada de duas mulheres e a construção de seus relacionamentos familiares com base na evolução espiritual. Permanecendo no mesmo gênero religioso, outro exemplar de sucesso do cinema nacional é “Predestinado”, de Gustavo Fernandez. O roteiro do filme é original, mas a roteirista Jacqueline Vargas realizou uma extensa pesquisa e teve a obra literária “Arigó e o Espírito do Dr. Fritz”, do jornalista e escritor norte-americano John G. Fuller, como uma bússola para construir a história.  

Simone Spoladore em "O Livro dos Prazeres".
Simone Spoladore em “O Livro dos Prazeres”. Foto: Divulgação

Publicado em 1969, o emblemático romance de Clarice Lispector, “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres” recebeu uma adaptação cinematográfica pelas mãos da diretora Marcela Lordy. A trama é centrada no envolvimento romântico incomum entre Lóri e Ulisses (Simone Spoladore e o ator argentino Javier Drolas), dois personagens que demonstram afetividade de formas distintas. Lispector, inclusive, é homenageada no documentário “Clarice Lispector – A Descoberta do Mundo”, de Taciana Oliveira, que mergulha na intimidade pouco explorada de uma das maiores romancistas da literatura mundial do século XX. 

E já que estamos falando de escritores brasileiros importantes, não se trata exatamente de um roteiro adaptado, mas vale mencionar a cinebiografia do extraordinário Lima Barreto. Dirigido por Luiz Antonio Pilar, “Lima Barreto, ao Terceiro Dia” discorre sobre os três dias da última internação do escritor em um manicômio. Nessas circunstâncias, ele relembra a sua vida como jovem autor enquanto escrevia “Triste Fim de Policarpo Quaresma” e fantasia sobre os personagens que criou. Luís Miranda interpreta Barreto na fase adulta, enquanto Sidney Santiago Kuanza dá vida ao escritor em sua juventude.  

Cinema Estrangeiro 

No cinema internacional, são muitos os filmes adaptados de obras já existentes. Diante da vastidão que é este território, o blog seleciona 5 títulos que foram lançados no cinema no ano passado e merecem a atenção dos leitores.  

1. “O Acontecimento” 
Filme de: Audrey Diwan / Livro de: Annie Ernaux 

Na França dos anos 1960, quando o aborto ainda era ilegal, uma jovem estudante trava uma batalha física e emocional para obter acesso ao procedimento. Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza.  

2. “Drive My Car” 
Filme de: Ryûsuke Hamaguchi / Conto de: Haruki Murakami 

Yûsuke é um dramaturgo viúvo que está trabalhando na montagem de uma peça de Brecht. Ao receber a indicação de Misaki, uma jovem de 20 anos, para ser a sua motorista, ele inicialmente tem suas dúvidas, mas uma relação especial se desenvolve entre os dois. Vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional e do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes.  

Tôko Miura e Hidetoshi Nishijima em "Drive my Car".
Tôko Miura e Hidetoshi Nishijima em “Drive my Car”. Foto: Divulgação
3. “Benedetta” 
Filme de: Paul Verhoeven / Livro de: Judith C. Brown 

Ambientado no século XVII, o polêmico filme conta a história de Benedetta Carlini, uma noviça trazida aos 8 anos de idade ao Convento Teatino da Mãe de Deus, na Itália. Dezoito anos depois, a chegada de uma nova freira desperta sentimentos “proibidos” na personagem-título. 

4. “Ela Disse” 
Filme de: Maria Schrader / Livro de: Jodi Kantor, Megan Twohey 

Duas jornalistas encabeçam uma investigação sobre décadas de acusações de abuso sexual contra o poderoso produtor de Hollywood Harvey Weinstein. A publicação desta reportagem no jornal The New York Times desencadeou o movimento Me Too. 

5. “Até os Ossos” 
Filme de: Luca Guadagnino / Livro de: Camille DeAngelis 

A história narra o amor que floresce entre um casal de jovens canibais que vivem à margem da sociedade enquanto eles embarcam em uma odisseia pelas estradas secundárias dos Estados Unidos. Vencedor do prêmio de Melhor Direção no Festival de Veneza.  

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