Por Elton Telles
Em comemoração aos 10 anos de seu lançamento, o CineSesc exibe em cópia 35mm o aclamado filme “Amor” (2012), do cineasta austríaco Michael Haneke. A sessão única será nesta quarta-feira (20), às 20h30, e os ingressos já podem ser adquiridos no site ou diretamente na bilheteria do cinema.
A exibição de “Amor” integra a programação do 48º Festival Sesc Melhores Filmes, que além de trazer um panorama com os principais lançamentos do cinema no último ano, dedica uma divisão especial para a exibição de clássicos premiados em edições anteriores do festival.
Neste ano, houve sessões presenciais na sala do CineSesc de “Profissão: Repórter” (1975), de Michelangelo Antonioni, e “A Rosa” (1979), de Mark Rydell. Para fechar a trinca de clássicos restaurados na telona, nesta sexta-feira, dia 22, será exibido às 20h30 o espetacular “Marcas da Violência” (2005), de David Cronenberg. Já na plataforma Sesc Digital, o público pode conferir gratuitamente e do conforto de casa até o dia 27 deste mês o húngaro “Mephisto” (1981), de István Szabó, e o próprio “Amor” para quem não tiver disponibilidade para (re)ver esta obra-prima do cinema contemporâneo na telona.
O CineSesc é um dos poucos cinemas de São Paulo que conserva um projetor para a exibição de filmes em película, e vale ressaltar que a cópia de “Amor” é em formato 35mm. Essa opção analógica se traduz em um primor de som e imagem na projeção, um “aspecto artesanal” que vai além do esmero estético, mas também se configura como um valor cultural na preservação da obra audiovisual.
Sobre o filme
Para quem é familiarizado com a filmografia de Michael Haneke, é no mínimo peculiar um de seus filmes ser intitulado “Amor”. A trama acompanha a rotina do casal de idosos Georges e Anne após um derrame sofrido pela esposa, que tem o lado direito de seu corpo totalmente paralisado. A doença avança com o tempo, e a convivência entre eles vai ficando gradualmente insustentável pela situação ser uma novidade para ambos. Ela se nega a ir ao hospital, e ele respeita a sua decisão. Quando se dá conta de que seu estado é irreversível, Anne é objetiva em não querer ser um fardo para o marido e cogita desistir da vida. Georges não acata o pedido da esposa, e decide mantê-la em casa e sob seus cuidados até as últimas consequências.
Haneke faz um registro bastante realista da progressão da doença, que aflige a protagonista física e mentalmente. A passagem do tempo em “Amor” é construída por meio de elipses, e o único farol que guia o espectador é a condição deplorável a qual Anne é mostrada a cada cena. Enquanto a paralisia vai apresentando níveis mais rigorosos, o diretor flagra diversos momentos de natureza íntima em que a personagem precisa de assistência, o que acaba sendo chocante com a imagem da mulher lúcida a quem o público é apresentado aos primeiros minutos de filme.
Não bastasse as adversidades que precisam enfrentar juntos, Georges e Anne ainda tentam se esquivar de fatores externos que agravam a situação, como visitas indesejadas, a incompetência das cuidadoras ou então as inevitáveis rememorações do passado sadio do casal. O mais penoso, no entanto, talvez seja Eva, a filha do casal, interpretada por Isabelle Huppert. Em vez de cooperar, a preocupação constante e inútil de Eva é um fardo para Georges, que a cada dia se sente mais esgotado com a sua nova realidade. Há uma cena que é preenchida de um humor perverso em que Eva, ao lado da mãe definhando na cama, começa a palestrar sobre o seu interesse pelo ramo imobiliário, comportando-se como um urubu de olho no apartamento dos pais após a morte anunciada da matriarca.
A propósito, os aposentos de Georges e Anne se comportam como um personagem da história. Inicialmente um apartamento aconchegante e bem iluminado, é perceptível como os cômodos vão ficando cada vez mais degradados, rudimentares e com aspecto mofado à medida que a história caminha para o seu desfecho desconcertante. Os truques de câmera da direção também conseguem transformar o imóvel, antes espaçoso, em ambientes estreitos, como se estivesse esmagando os personagens. Neste quesito – e em tantos outros –, “Amor” remete ao drama britânico “Meu Pai” (2021), de Florian Zeller, que consta na programação do festival e foi vencedor do prêmio de Melhor Ator para Anthony Hopkins segundo os votos da crítica.
E já que estamos falando em atuações superlativas, é preciso reconhecer que o grande trunfo de “Amor” reside nos desempenhos extraordinários dos protagonistas. Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, donos de carreiras reconhecidas por trabalhos memoráveis, compartilham momentos grandiosos no filme, que vão do amor e respeito palpáveis entre o casal até cenas dolorosas e comoventes, como assistir de camarote a sua parceira de vida sendo empalidecida por uma doença severa. Riva ganhou o BAFTA e foi finalista na categoria Melhor Atriz no Oscar, onde “Amor” faturou a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro, meses depois de receber a prestigiada Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Possivelmente, o filme mais acessível de Haneke, “Amor” é também uma experiência das mais dolorosas. Muitos questionam se o título não passa de ironia ou afirmam que existem lampejos de sadismo na história narrada. As interpretações ao filme são amplas e felizmente não se definem a uma só. Particularmente, acho mais adequada a leitura de que, à sua maneira, “Amor” é um dos romances mais cruéis e humanos já concebidos pelo cinema.
