Quando Carolina Ferraz subiu ao palco do CineSesc para receber o prêmio de Melhor Atriz segundo o público por A Gloria e a Graça, observou que ouviu de muitos colegas que não deveria filmar uma história como aquela. Afinal, para uma atriz com seu perfil, viver o papel de uma transexual não era algo comum. Incomum, mas não impossível. E depois de nove anos tentando alavancar o projeto, Carolina, que também é produtora do filme, ao lado do diretor Flávio Tambellini, finalmente rodou o longa, que foi lançado nos cinemas em 2017 e conquistou o público do Brasil.
Que bom que Carolina não ouviu os conselhos para desistir do papel e do longa, que ainda levou os prêmios de Melhor Filme e Melhor Roteiro (de Mikael Albuquerque e Lusa Silvestre) também segundo o júri popular do 44o Festival Sesc Melhores Filmes. Sinal de que, como a atriz observou, é importante e crucial no momento em que o Brasil se encontra.
No filme, Carolina vive Glória, uma travesti feliz que comanda um restaurante e é bem sucedida. Ela tem uma irmã, Graça (Sandra Corveloni), de quem se distanciou há 15 anos, após uma briga. Um dia, Graça descobre que tem uma doença terminal e se reaproxima de Glória para tentar uma reconciliação. E descobre que seu irmão Luiz Carlos se tornou Glória. Mais que um filme sobre o estranhamento que a mudança provoca, A Glória e a Graça trata da reconstrução da relação entre as irmãs.
“Estou super feliz. Honradíssima. Tenho consciência da importância deste prêmio. Eu escutei de muita gente: ‘Carolina, você é uma moça bonitinha. Não faz isso não. Isso vai destruir sua carreira. Faz outra coisa’”, comentou a atriz ao receber o prêmio. “Mas nós atores somos a sucessão dos papeis que conseguimos interpretar e não dos que a gente tem competência para interpretar. Então sou muito agradecida porque jamais um produtor de elenco ia ler um roteiro e me telefonar para mim: ‘Carolina, tem um personagem de uma travesti que é a tua cara!’ Então, tive a sorte de ter o Micael, que sempre pensou em mim, de ter o Flavinho (Tambellini), que também é meu amigo e que bancou esta aventura. E a gente conseguiu ter este filme que eu tenho o maior orgulho de fazer parte, de estar recebendo este prêmio por ele.”
Empatia é o que nos torna humanos
“E também porque ele fala deste assunto, que é tão importante de ser abordado. Quando eu penso na Glória, penso que o que ela provocou no público foi a empatia. E talvez por isso eu tenha conseguido este prêmio, foi a empatia. Empatia é o que nos torna humanos. É o que faz a diferença. O que nos faz nos colocar no lugar do outro”, acrescentou a atriz.
Para Carolina, no atual momento em que o Brasil se encontra, empatia nunca foi tão necessária. “No Brasil mesmo, se você nunca conseguir se colocar na posição do outro, a gente como sociedade não vai poder evoluir, conseguir melhorar”, declarou ela.
De fato. A empatia está em cada linha do roteiro de Mikael Albuquerque e Lusa Silvestre, que valorizam as relações humanas entre Glória, Graça e seus sobrinhos, que sua irmã quer que fiquem a seus cuidados. O choque é inevitável, mas aprender tanto uma quanto a outra a entender os motivos de cada uma é o grande desafio e o aprendizado.
Para Carolina, o momento atual é crucial para que se construa, seja no cinema seja no dia-a-dia, relações que alcancem a transcendência necessária para se compreender, acima de qualquer preconceito, as razões e as posições de cada um. “A gente tem de lutar por uma sociedade de fato onde existam oportunidades iguais para todas as pessoas, de todos os lugares e origens. É isso que eu desejo para meu País. É isso que eu desejo para todos nós. Em todas as esferas da nossa sociedade’, afirmou a atriz.
“Um País de fato que crie oportunidades iguais e melhores para todos nós. E que a gente de fato consiga se colocar de uma vez por todas no lugar do outro”, finalizou a atriz.
Por Flavia Guerra
(Foto: imagem de divulgação do filme A Glória e a Graça)