Por mais que a tecnologia tenha facilitado a produção e o acesso de novos cineastas à competitiva indústria do cinema, assinar o primeiro longa-metragem, seja no Brasil quanto no mercado internacional, ainda é um grande desafio.
E depois de realizado, ter seu primeiro filme lançado em festivais e nas salas comerciais é uma etapa tão desafiadora quanto a da criação. Mesmo assim, cada vez mais o cinema vê novos talentos filmando, lançando seus longas e sendo premiados nos eventos de cinema, dos mais alternativos aos mais comerciais.
Pensando na safra de 2017, é possível detectar diversos diretores brasileiros que, seja em produções totalmente brasileiras ou em coproduções internacionais, não só fazem sua estreia na telona como também dão ao espectador histórias com novos pontos de vista, personagens desafiadores e tramas nada convencionais.
Pautando-se pelos principais festivais do País, o carioca Felipe Sholl, aos 25 anos, surpreendeu a todos no Festival do Rio 2016 e levou o Troféu Redentor de melhor filme por Fala Comigo. Ao narrar um drama urbano e intimista, em que Denise Fraga e Karine Teles provam mais uma vez porque são duas das atrizes mais talentosas do Brasil, Sholl provou que o cinema brasileiro se renova e conta histórias cada vez mais plurais.
Também no Festival do Rio 2016, Cristiane Oliveira levou o Redentor de Melhor Direção por seu trabalho em A Mulher do Pai. Coprodução com o Uruguai, o longa retrata o rito de passagem para a vida adulta da adolescente Nalu (Maria Galant), que vive em uma pequena cidade na fronteira entre os dois países. Além de direção, o filme levou ainda o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante, para a uruguaia Verónica Perrota, e Melhor Direção de Fotografia para a brasileira Heloísa Passos.
Na seara de filmes que revelam personagens femininas que desafiam o convencional e revelam o talento de jovens atrizes, destaque também para As Duas Irenes, de Fabio Meira. A perda da inocência e a passagem para a maturidade também estão em pauta, mas desta vez sob o olhar de duas garotas que, aos 13 anos, descobrem que possuem muito mais em comum que apenas o nome.
Na ficção, um novo humor; no documentário, atrizes se tornam diretoras
Na nova seara, um título se destaca por explorar um gênero clássico do cinema brasileiro com frescor: a comédia La Vingança, dirigido por Fernando Fraiha e co-dirigido por Jiddu Pinheiro. A trama faz graça da eterna rivalidade entre brasileiros e argentinos com toque de auto-ironia e olhar sagaz sobre o homem contemporâneo, que tenta entender seu papel e, ao mesmo tempo, também sofre de amor sem perder o humor jamais. Nesta coprodução com a Argentina, ao roteiro afiado (assinado por Pinheiro,Thiago Dottori, Pedro Aguilera e Felipe Sant’Angelo, com colaboração de Fraiha e Josefina Trotta), somam-se as performances memoráveis de Felipe Rocha, Daniel Furlan e Leandra Leal.
A mesma Leandra Leal, uma das atrizes mais prolíficas do cinema brasileiro atual, também estreou na direção com Divinas Divas. Neste documentário singular sobre as pioneiras artistas travestis no Brasil na década de 1970, como Rogéria, Valéria e Jane Di Castro. O reencontro delas para montar um novo espetáculo no Teatro Rival, do Rio, do qual o avô de Leandra esteve à frente por muitos anos, é filmado com a atenção de um observador que também participa deste capítulo importante da história das artistas. Tudo narrado pela própria Leandra, que cresceu nas coxias do Rival, acompanhando de fato a trajetória do teatro e das Divinas Divas. Não por acaso recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais, como o concorrido prêmio do público do festival americano South by Southwest (SXSW).
Outra atriz que assinou seu primeiro projeto como diretora foi Camila Pitanga, que co-dirigiu Pitanga com o veterano Beto Brant. Documentário sobre o Antonio Pitanga, pai de Camila e um dos maiores nomes do cinema brasileiro, o longa é um passeio afetivo e histórico por grandes momentos da vida do ator. Vale lembrar que a também atriz Lúcia Veríssimo dirigiu Eu, Meu Pai e Os Cariocas, que abriu o Festival É Tudo Verdade, em abril, e venceu o Festival In-Edit Brasil, em junho.
Novos olhares sobre a diversidade
De volta à diversidade em pauta no cinema, o primeiro longa de Marcelo Caetano, Corpo Elétrico, revelou São Paulo como poucas vezes se viu no cinema. O longa narra, sem cair no lugar comum, o dia-a-dia de um jovem estilista em São Paulo, que se divide entre o cotidiano de um fábrica de roupas e as horas livres, de amor, sexo e diversão, com os colegas de trabalho. A originalidade de Corpo Elétrico se une ao documentário Meu Corpo É Político. Marcando a estreia de Alice Riff na direção de longas, o filme revela com ponto de vista não convencional o cotidiano dos transsexuais nas periferias do País. São dois exemplos de como a diversidade está presente nos novos olhares do cinema brasileiro, sem clichês e com muita liberdade criativa.
Entre tantos outros filmes de estreia a serem celebrados, há que se destacar também Bingo – O Rei das Manhãs. O diretor e montador Daniel Rezende (indicado ao Oscar de Melhor Montagem por Cidade de Deus) estreou na direção com o mesmo vigor que costuma dar aos filmes que monta. Bingo deu a Vladimir Brichta o melhor papel de sua carreira e ao espectador brasileiro um novo olhar sobre a saga do lendário palhaço Bozo. Foi o representante do Brasil na corrida ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Não entrou para a lista dos finalistas, mas entra definitivamente na lista dos destaques de 2017.
No 44o Festival Sesc Melhores Filmes, de 5 a 25 de abril, o público poderá ver e rever diversos filmes de estreia que passaram pelas telas do último ano. Fique atento porque a programação completa será divulgada em breve.
por Flavia Guerra
(Imagem: divulgação do filme Corpo Elétrico)