Questões sociais e narrativas experimentais lideram a retomada do cinema de terror

Quando pensamos em filmes de terror, não é difícil vir à cabeça histórias com bonecos assassinos e assassinos em série mascarados. Conhecido como terror “slasher”, o subgênero se popularizou nos anos 80 e 90, impulsionado pelo pioneirismo de filmes como O Massacre da Serra Elétrica (1974), de Tobe Hooper, e Halloween (1978), de John Carpenter. Neste período, porém, a fórmula genérica deste tipo de narrativa foi responsável por saturar o cinema de horror, fazendo com que, nos anos 2000, paródias como Todo Mundo em Pânico chegassem a ter mais destaque do que as obras originais às quais referenciavam.

Para quem gosta de levar bons sustos, entretanto, as últimas produções apontam uma retomada do gênero do terror – que, inclusive ressurge repaginado e trazendo às telas diversas questões atuais.

O principal representante desta nova leva de filmes que exploram o medo é o diretor norte-americano Jordan Peele. Com a sua estreia em longas-metragens com Corra! (2017), Peele já conquistou o Oscar de Melhor Roteiro Original, assim como indicações para as categorias de Melhor Filme e Melhor Diretor. O lançamento do mais recente Nós (2019) trilhou o mesmo caminho de sucesso de crítica e público, ultrapassando mais de 200 milhões de dólares de arrecadação nas bilheterias internacionais e gerando a expectativa de muitos troféus na próxima temporada de premiações.

Outro cineasta que se tornou referência nas tramas de horror é James Wan, que dirigiu e produziu franquias como Jogos Mortais e Invocação do Mal, produções que reivindicam a sua importância entre as obras que exploram os recursos do gore e do sobrenatural, respectivamente.

Além da capacidade de provocar os mais demorados calafrios, o que também contribui para que os filmes de Peele e Wan ganhem relevância dentro do gênero do terror são os diferentes olhares e temáticas que abordam, seja atrás ou na frente das câmeras. Nas histórias de Peele, por exemplo, tópicos como o racismo e a desigualdade social servem de pano de fundo para as sequências de pânico e suspense que são interpretadas por elencos majoritariamente negros. Wan, por sua vez, nasceu na Malásia e tem origem étnica chinesa, o que já representa por si só um ponto de vista diverso a respeito do universo do horror em Hollywood.

Entre o clássico e a experimentação

Da mesma forma que a realidade tem servido de inspiração para os enredos dos filmes de terror, os dramas familiares e o teor psicológico de clássicos como O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick, O Bebê de Rosemary (1969), de Roman Polanski, Psicose (1961), de Alfred Hitchcock, e O Exorcista (1974), de William Friedkin, também reaparecem como tema das novas produções. E o principal e mais atual exemplo desta tendência é Hereditário.

Neste filme de Ari Aster, acompanhamos a dinâmica da família Graham, que começa a vivenciar alguns eventos misteriosos logo após a morte da avó. O crescente pavor que toma conta da casa e as atuações impecáveis de Toni Colette como a mãe Annie Graham e de Milly Shapiro e Alex Wolff como os filhos do casal colaboram para que o longa apresente um roteiro ambíguo sobre o sentimento de luto e as transversalidades entre experiências ocultas e manifestações psicológicas.

Superando o formato experimental de produções como A Bruxa de Blair (1999), de Eduardo Sánchez e Daniel Myrick, Atividade Paranormal (2007), de Oren Peli, e REC, de Jaume Balagueró e Paco Plaza, alguns projetos têm investido em narrativas que desafiam a sensorialidade dos personagens e dos espectadores. Este é o caso de Birdbox, de Susanne Bier, em que os protagonistas precisam abrir mão da visão para sobreviver, e Um Lugar Silencioso, de John Krasinski, no qual uma família precisa permanecer em silêncio absoluto para evitar a perseguição de monstros que se orientam pelo som.

Terror à brasileira

O lançamento de À Meia-noite Levarei sua Alma (1964), de José Mojica Marins, marcou a estreia de um dos maiores clássicos do horror brasileiro e da maior figura do cinema de terror nacional: o personagem Zé do Caixão. De lá para cá, o terror sempre esteve presente entre as produções do país. Mas foi mais recentemente, com o surgimento de novos realizadores e o diálogo com gêneros mais comerciais, que o estilo ganhou força no Brasil. Levando em consideração apenas os filmes selecionados para o 45º Festival Sesc Melhores Filmes, já temos alguns ótimos representantes desta safra.

As Boas Maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra, conta a história de Ana (Marjorie Estiano), que está grávida e contrata Clara (Isabél Zuaa) para ser a futura babá de seu filho. Com o avanço da gravidez, Ana passa a apresentar comportamentos cada vez mais estranhos além de hábitos noturnos que afetam diretamente Clara, uma solitária enfermeira que mora na periferia de São Paulo.

Já no thriller psicológico O Segredo de Davi, de Diego Freitas, o suspense fica por conta da trajetória de Davi (Nicolas Prattes), um jovem voyeur que adora filmar os outros sem ser percebido. Após uma conversa com um colega de faculdade, ele decide exterminar as pessoas que considera dispensáveis. Quando o assassinato de sua primeira vítima não ocorre conforme o previsto, o personagem percebe que há algo a mais por trás dos seus atos.

Em O Animal Cordial, de Gabriela Amaral Almeida, por fim, o cenário é um restaurante em São Paulo que, certa noite, é assaltado por uma dupla de jovens. Citando obras como O Anjo Exterminador (1962), de Luis Buñuel, e Deus da Carnificina (2012), de Roman Polanski, a diretora se aproveita do ambiente enclausurado para realizar uma análise da natureza humana a partir das relações de poder.  

Para quem quiser saber mais sobre o assunto, o CineSesc promoverá, no dia 30 de abril, às 19h30, um bate-papo gratuito sobre o “Cinema de Pós-Terror” durante o Cinema da Vela, que ocorre no saguão da unidade. O debate contará com a mediação da jornalista e documentarista Flavia Guerra e participação de Max Valarezo, fundador do canal do Youtube EntrePlanos, e Sérgio Silva.

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