Mesmo quem não teve a oportunidade de viajar para outros países e conhecer diferentes culturas durante a infância certamente cresceu com uma imagem ou outra sobre os hábitos e costumes de povos ao redor do mundo. E para além dos livros e dos programas de televisão, é possível afirmar que o cinema – mais especificamente as animações voltadas para o público infantil – é um dos grandes responsáveis pelo contato das crianças com este ambiente multicultural.
Filmes como Aladdin (1992), com personagens e lendas da cultura árabe, e Mulan (1998), cujo enredo retoma a história das dinastias chinesas, são apenas alguns exemplos de produções que tiraram do ocidente o foco de suas narrativas. Mas como nem estes desenhos aclamados estiveram livres de críticas sobre o modo como abordaram as questões de outra cultura, decidimos propor uma discussão: seriam as animações infantis do cinema uma boa forma de representação cultural?
Para Luciana da Conceição, a resposta é sim e não! Turismóloga, gestora de projetos culturais e pesquisadora do núcleo Brincalhoada, do Lab_Arte, um laboratório didático, diretório de pesquisa em Pós-graduação e atividade permanente de cultura e extensão da Faculdade de Educação da USP, Luciana acredita que esta análise depende muito das escolhas realizadas para representar e narrar outras culturas. “Filmes infantis também podem reforçar diversos estereótipos, como a desigualdade social, as relações de gênero, questões étnico-raciais e até mesmo as infâncias”, explica.
Para a pesquisadora, a animação infantil como uma ferramenta de acesso do sujeito a outras culturas está aberta a variadas interpretações por parte do público, uma vez que também é importante considerar a subjetividade dos indivíduos, suas experiências, valores e leitura de mundo. Neste sentido, Luciana determina que “para ser definida como uma boa forma de contato com outras culturas, é preciso que a animação, entre tantas possibilidades, potencialize reflexões críticas e traga uma representatividade mais verossímil, com discursos e narrativas não estereotipados dessas representações culturais às quais se propõem retratar”.
Cinema e a construção do imaginário
Se a cultura exerce um papel primordial na maneira como a criança interpreta e se relaciona com o mundo, o cinema pode atuar como um verdadeiro laboratório para reflexões, sendo um importante meio de formação estética e da individualidade dos sujeitos. “O cinema contribui diretamente para a ampliação do imaginário infantil”, afirma Luciana.
Sobre as produções que cumprem bem a função de apresentar o universo do outro de forma lúdica, a pesquisadora destaca que nem sempre são filmes que estão restritos a contar a história de uma pátria ou população. “Quando falamos em representação cultural, acredito que estamos nos referindo a um sentido mais amplo do que apenas as relações que se estabelecem com outras nações”.
Nesta perspectiva, ela cita animações como Kiriku e a Feiticeira (1998), de Michel Ocelot, que se passa na África Ocidental e retrata a cultura e a tradição africanas, A Viagem de Chihiro (2001), de Hayao Miyazaki, que narra as aventuras fantásticas de uma garota japonesa que está de mudança com sua família, o brasileiro O Menino e o Mundo (2013), de Alê Abreu, sobre a jornada de um menino que decide sair de sua aldeia em busca do pai, além de títulos como Zootopia (2016), Mary e Max – Uma amizade diferente (2009) e Onde Vivem os Monstros (2009).
Porta de entrada para o diálogo
Quando o assunto é educação infantil, Luciana pontua que não existe um caminho que não passe pela mediação dos pais ou responsáveis. Ela aconselha ser fundamental não só buscar conhecimento sobre os conteúdos aos quais o filho tem acesso, como também conversar com as crianças, encorajando-as a se expressarem e a refletirem sobre esses filmes, de modo a complementar a experiência. De acordo com a pesquisadora, está é uma “maneira de perceber como a criança está construindo esse relacionamento com outras representações culturais e de que forma isso reverbera em seus comentários e até mesmo suas ações”.
Entre os selecionados para o 45º Festival Sesc Melhores Filmes, o CineClubinho exibirá três animações que são uma boa oportunidade para incentivar esse bate papo: Viva – A Vida é uma Festa (2017), no dia 14/4, Os Incríveis 2 (2018), no dia 21/4, e, finalmente, O Touro Ferdinando (2017), no dia 28/4. As sessões são gratuitas e os ingressos são distribuídos 1h antes.