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Jeferson De, um batalhador incansável da negritude no cinema brasileiro

Diretor Jeferson De durante as gravações de M8: Quando a morte socorre a vida

Há quase 20 anos, um curta-metragem saiu premiado do Festival de Gramado. Carolina (2003) trazia Zezé Motta vivendo a hoje consagrada escritora Carolina Maria de Jesus, moradora de uma favela em São Paulo, autora do livro Quarto de Despejo. Seu diretor, Jeferson De, começava ali uma promissora carreira que o tornou um dos grandes expoentes do cinema negro brasileiro.

Em 2000, Jeferson lançou o Dogma Feijoada, movimento que ironizava o Dogma 95 dos dinamarqueses Lars Von Trier e Thomas Vinterberg. Seus princípios clamavam por um fortalecimento do cinema negro no Brasil, com mandamentos como “O filme tem de ser dirigido por um realizador negro brasileiro”, “O protagonista deve ser negro” e “Personagens estereotipados negros (ou não) estão proibidos”. Ano após ano, esse movimento abriu caminho para novos nomes como Sabrina Fidalgo, Renata Martins, Carmem Luz, Viviane Ferreira, Yasmin Thayná, Diego Paulino, Lázaro Ramos.

E foi ainda com estes princípios em mente que Jeferson dirigiu seu quarto longa-metragem, M8: Quando a morte socorre a vida, história de um estudante de medicina que, ao chegar para a aula de autópsia na faculdade, descobre que há apenas dois negros na sala: ele e o cadáver indigente, provável vítima de ação policial.

Jef, como é mais conhecido, se diz completamente surpreso com os prêmios que M8 levou no Festival Sesc Melhores Filmes – Prêmios do Público de Melhor Diretor (para ele) e Melhor Ator (para seu protagonista, Juan Paiva). “Nunca podia imaginar. Porque foram tantos filmes bons, mesmo num ano de pandemia. Fiquei muito feliz de o público enxergar no meu trabalho como diretor, e no trabalho do Juan, um acerto muito grande”, diz.

Juan Paiva e Zezé Mota contracenam em M8: Quando a morte socorre a vida

O cineasta recordou como tudo começou – no livro de mesmo nome escrito pelo médico mineiro Salomão Polakiewicz. Os direitos da obra foram comprados pela produtora Migdal Filmes, de Iafa Britz, que se associou à Buda, produtora de Jef. “Nossa adaptação tinha muito da história original, mas também tinha uma leitura que a minha visão da questão racial contribuiu muito.” A questão racial acabou presente no filme todo – na figura de Mauricio, o estudante de medicina, e todas as situações de racismo estrutural vividas por ele.

Uma das situações, ao mesmo tempo curiosas e dolorosas, mostradas no filme é quando Maurício vai ao apartamento da namorada branca, na Zona Sul do Rio. Enquanto ela vai para o quarto trocar de roupa, ele fica na sala com a copeira da família (Cida Moreno), negra como ele. A copeira o recebe com um misto de irritação e má vontade em servi-lo, num visível desconforto com a situação. “Essa cena foi uma homenagem explícita ao terror Corra!, do Jordan Peele, um filme de cenas completamente enigmáticas. A cena tem um certo mistério: por que essa mulher se incomoda com a presença do Maurício? As respostas podem ser as mais variadas”, explica.

E para o futuro? Jeferson conta que está em finalização do seu novo filme, Prisioneiro da Liberdade, cinebiografia do abolicionista Luís Gama, que pretende lançar até o final do ano. Prepara também seu primeiro longa infantil, Narciso Rap, adaptação de um curta-metragem que ele dirigiu há mais de 15 anos. Um cinema negro a todo vapor, para que o brasileiro possa realmente se ver retratado, em todas as suas cores, em seus filmes.

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