Toda vez que assiste à exibição de um filme, Cristiano Burlan descobre mais sobre o realizador do que sobre a própria obra. “É possível fazer cinema se não for por um prisma pessoal?”, provocou o diretor e roteirista durante o bate-papo realizado na segunda-feira (29), no CineSesc, como parte das atividades do 45º Festival Sesc Melhores Filmes.
Cinéfilo declarado e dono de uma extensa coleção de livros e DVDs, Burlan certamente poderia passar horas falando sobre cinema, compromisso que ele não consegue encarar como uma profissão. “Você vai fazer filmes porque vê filmes”. E é com base em todo este repertório que o diretor defende que as escolhas e o produto final de um filme dizem muito mais sobre quem grava do que sobre quem está na frente das câmeras. “Fazer filme é sempre uma exposição”, declarou.
Citando grandes cineastas como Glauber Rocha, Ingmar Bergman e Luchino Visconti, Burlan afirmou que, em bons trabalhos cinematográficos, é possível enxergar a pessoa do diretor ao lado de cada cena. Neste sentido, ele rejeita a distinção entre ficção e documentário criada pelos festivais e pelo mercado audiovisual porque, em ambos os gêneros, existe a mesma responsabilidade moral e ética no ato de filmar. “Para mim, é uma coisa só”.
Burlan acredita que o primeiro cuidado do diretor deve ser com o ator que, em geral, está em uma condição extremamente exposta. “Não acho natural filmar alguém”, confessou, acrescentando que a câmera é, na verdade, um objeto muito agressivo. No caso dos documentários, aliás, ele disse que esta situação ainda é mais cruel, já que o discurso do personagem pode ser facilmente dominado para fazer parte de determinada narrativa. “Não consigo ser um diretor manipulador”, assegurou.
Outro grande pecado apontado pelo realizador é não respeitar o material capturado durante as gravações. “O filme é aquilo que você filmou”. Autor de três documentários que retratam os assassinatos de seu pai, irmão e mãe – Construção (2006), Mataram Meu Irmão (2013) e Elegia de um Crime (2019), respectivamente – Burlan explicou que sempre tomou muito cuidado na hora de pensar os filmes, contando que foram decisões muito difíceis tanto estética quanto comercialmente. “Nem tudo pode ser mostrado”.
Morte como ato político
Além da chamada Trilogia do Luto, a morte também está presente no cinema de Burlan no filme Antes do Fim, que integra a programação do 45º Festival Sesc Melhores Filmes. Resultado de um encontro entre o diretor, o crítico e cineasta Jean-Claude Bernardet e a atriz e realizadora Helena Ignêz, a produção aparentemente é sobre suicídio, mas não é. Segundo Burlan, a obra discorre sobre a morte como a possibilidade de libertação e também sobre o livre arbítrio do ser humano.
Na história, Jean decide planejar sua morte conscientemente e, para isso, conta com a ajuda de Helena para um suicídio a dois. Durante o preparo do funeral, no entanto, a dupla se dá conta de que, antes do fim, ainda há uma vida inteira pela frente.
O enredo do filme traça um paralelo com vida do próprio Bernardet, que decidiu interromper as sessões de radioterapia para o tratamento de um câncer como uma forma de ato político. “Ele fala da morte como se fosse um espetáculo”, contou o diretor. Protagonista, ele mesmo, de uma trajetória repleta de episódio trágicos e momentos de redenção, Burlan falou que literatura, o teatro e o cinema foram as suas ferramentas para escapar do ciclo de pobreza e violência da realidade em que cresceu. Apesar desta vivência, o realizador concluiu que as suas obras não são uma espécie de terapia. “O que importa é o filme, não sou eu”.