No campo ficcional, se considerarmos os lançamentos do cinema brasileiro em 2023, nos deparamos com várias biografias. Só para mencionar alguns artistas/personalidades que tiveram suas histórias passadas a limpo nas telonas, temos Gal Costa (“Meu Nome é Gal”), o sambista e humorista Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum (“Mussum, o Filmis”), a dupla Claudinho & Buchecha (“Nosso Sonho”), a socialite mineira vítima de feminicídio Angela Diniz (“Angela”), o grupo Mamonas Assassinas (“Mamonas Assassinas – O Filme”), o campeão mundial de jiu-jitsu Fernando Tererê (“O Faixa Preta”), entre outros exemplares.
A cinebiografia marcou forte presença no audiovisual brasileiro do ano passado, e esse formato também se estende à área documental – claro, com as devidas adequações de linguagem. Se analisarmos os documentários nacionais de 2023, foram seis títulos que prestaram homenagem a músicos fundamentais do nosso cancioneiro, do popular ao erudito.
Em “Me Chama que Eu Vou”, a diretora Joana Mariani sintetiza os 50 anos de carreira do cantor e dançarino Sidney Magal. Narrado pelo próprio, o filme traz os altos e baixos de sua trajetória na vida artística e pessoal, incluindo o duradouro relacionamento de 40 anos com Magali West, sua atual esposa, que ele propôs em casamento no primeiro dia que a conheceu. Comprovando o boom das biografias, Magal será interpretado pelo ator Filipe Bragança em “Meu Sangue Ferve por Você”, de Paulo Machline. O lançamento do filme está previsto para abril deste ano.
O sorriso e a alegria contagiante de Jair Rodrigues (1939-2014) preenchem o documentário “Jair Rodrigues – Deixa que Digam”, de Rubens Rewald, que mostra o talento multifacetado do músico, atuante em vários estilos, do samba à MPB, até o rap e o sertanejo. A sua figura é reverenciada no filme, mostrando como Jair Rodrigues se utilizou da música para ser eternizado no imaginário popular, marcado pelo otimismo e simplicidade. O gaúcho Plauto Cruz (1929-2017), considerado um dos maiores flautistas de choro do Brasil, é homenageado pelo diretor Rodrigo Portela em “Plauto, um Sopro Musical”. O filme intercala encenação de sua infância e juventude, com materiais de arquivo e entrevistas de admiradores influenciados por sua melodia.
A saudosa Beth Carvalho (1946-2019), eterna Madrinha do Samba, é quem documenta os registros mostrados em “Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho”. Ao longo dos seus 53 anos de palco, a própria cantora filmou diversas passagens, apresentações e encontros ilustres. O diretor e montador Pedro Bronz transformou o seu vasto acervo pessoal em cinema, e brindou o público com um documentário emocionante e que desenha a cultura nacional sob a ótica de uma das nossas maiores artistas.
O clássico álbum “Elis & Tom”, parceria de Elis Regina e Tom Jobim, foi lançado em 1974 e mudou para sempre o rumo da música popular brasileira. Entretanto, como afirma João Marcelo Bôscoli, produtor musical e um dos filhos de Elis, a compilação de canções marcantes quase se transformou no maior disco não realizado da história. Dirigido por Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay, o documentário “Elis & Tom, Só Tinha de Ser Com Você” se desdobra sobre os bastidores da gravação do álbum, com todos os conflitos e tensões que revelam momentos íntimos do processo criativo e das personalidades dos artistas envolvidos. É “obrigatório” para os fãs de MPB.
Assim como é “obrigatório” para os fãs do rock nacional conferir “Luiz Carlini – Guitarrista de Rock”, de Luiz Carlos Lucena. De roadie d’Os Mutantes a fundador da banda Tutti Frutti, que acompanhou Rita Lee nos seus primeiros discos em carreira solo – incluindo a obra-prima “Fruto Proibido”, de 1975 -, Carlini é com razão considerado um dos maiores músicos da cena. Seu repertório autoral inclui, entre várias composições, o solo inesquecível do hino “Ovelha Negra”.
Não só na música, os documentários nacionais de 2023 também resgataram a vida e a obra de artistas relevantes em outros campos da cultura. Nelson Pereira dos Santos e Roberto Farias, dois dos maiores cânones da nossa cinematografia, foram personagens centrais em “Nelson Pereira dos Santos – Vida de Cinema”, da dupla Aída Marques e Ivelise Ferreira, e “Roberto Farias, Memórias de um Cineasta”, dirigido por Marise Farias, sua filha.
Com uma narrativa que transborda sensibilidade e não é enrijecida pela sua postura de resistência, “O Circo Voltou”, de Paulo Caldas, traz para o centro do picadeiro a trajetória de Zé Wilson, um dos maiores mestres circenses do Brasil. Em regresso à sua cidade natal, no sertão de Alagoas, Zé Wilson revisita o passado do Circo Spadoni e, de quebra, a história do circo no país em um registro comovente e nostálgico.
Dois documentários também lançados no ano passado que honram a memória e a contribuição artística de seus biografados, que partiram recentemente de forma brusca, são “Cafi”, de Lírio Ferreira e Natara Ney, e “Môa, Raiz Afro Mãe”, de Gustavo McNair. O primeiro título retrata a obra do fotógrafo recifense Carlos Filho (1950 – 2019), o Cafi, que durante mais de 40 anos se dedicou a registrar performances da dança, teatro e música popular brasileira, além de ser autor de imagens que ilustram mais de 300 capas de discos.
Já “Môa, Raiz Afro Mãe” se debruça sobre imagens de arquivo, entrevistas e depoimentos para recuperar a história do mestre Môa do Katendê (1954 – 2018), compositor, professor de capoeira e um dos artífices da revolução ocorrida no Carnaval baiano, com o surgimento de blocos afro. Poucos dias antes das eleições presidenciais de 2018, Môa do Katendê foi assassinado em um bar de Salvador após uma discussão político-partidária por ter se declarado opositor ao candidato que acabou vencendo aquelas eleições.
Muitos documentários biográficos figuraram entre as novidades do cinema brasileiro no ano que se passou. Quem não teve a chance de conferi-los, acompanhe o blog e as redes sociais do CineSesc, porque alguns desses títulos podem constar nas exibições do 50º Festival Sesc Melhores Filmes, que acontece entre os dias 3 e 24 de abril. A programação será revelada em breve.