Críticos discutem avanço do streaming e desafios de formação de público para o cinema brasileiro

A aparente dicotomia entre as plataformas de streaming e as salas de cinema, assim como as mudanças de hábitos proporcionadas pelo avanço da tecnologia, foram os grandes temas de discussão do Panorama Anual, encontro realizado pelos críticos durante a primeira atividade formativa do 45º Festival Sesc Melhores Filmes.

O seminário, que ocorreu na última quinta-feira (11) no CineSesc, foi mediado pela crítica Maria do Rosário Caetano e contou com a participação de Luiz Zanin, crítico do jornal O Estado de S. Paulo, Luciana Veras, repórter especial da revista Continente, Sérgio Rizzo, crítico dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, e Miguel Barbieri, crítico da revista Veja São Paulo.

O ponto de partida do debate foi o filme Roma, de Alfonso Cuarón, vencedor de três estatuetas no Oscar 2019 – incluindo as categorias de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Diretor –, dos troféus de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Direção no Festival Sesc Melhores Filmes, escolhido pelos críticos e pela audiência, e de diversos outros prêmios ao redor do mundo. “Roma foi mesmo o filme do ano por toda a polêmica que ele gerou”, afirmou Zanin.

A controvérsia em questão se deve ao fato da produção mexicana ser o primeiro lançamento de uma plataforma de streaming a colecionar tantas vitórias em uma temporada de premiações, evidenciando um novo paradigma, tanto de produção e distribuição, quanto de consumo de conteúdo audiovisual. Zanin comparou o fenômeno ao período de popularização dos aparelhos de televisão, que inicialmente representaram uma ameaça à experiência cinematográfica. “A tecnologia vem para questionar o que já está estabelecido”, disse.

As estreias no Brasil  

Concordando com a afirmação de que as salas de cinema vivem um impasse de formação de audiência, Sérgio Rizzo chamou a atenção para uma armadilha: é preciso levar em consideração que não existe apenas um tipo de público, mas variados perfis de espectadores. Apesar desta constatação, o crítico ainda jogou luz para outro dilema enfrentado pelo mercado da sétima arte. Para ele, o cinema norte-americano tem ocupado um espaço desproporcional no calendário de lançamentos. “Criou-se uma cultura em que a hegemonia americana está se tornando insustentável”, lamentou.

No gancho do assunto, Maria do Rosário questionou a pluralidade das escolhas dos especialistas e dos cinéfilos para a programação do Festival Sesc Melhores Filmes. Segundo a crítica, títulos como o russo Sem Amor, de Andrey Zvyagintsev, Museu, de Alonso Ruizpalacios, além de produções de países como França, Hungria, Japão e Itália fizeram falta entre as obras selecionadas. Para as próximas edições do evento, Maria do Rosário sugeriu buscar uma fórmula que permita “contemplar o bom cinema do mundo”.

Para Zanin, esta é uma decisão que reflete as estreias de filmes estrangeiros no Brasil, já que, nos nossos cinemas, recebemos uma amostragem muito reduzida da produção mundial. “Existem outros tipos de cinema que não chegam aqui”, observou.  

Citando o exemplo de Recife, a pernambucana Luciana Veras revelou que, dentro do próprio país, nem todas as produções nacionais circulam da forma como poderiam. Ela citou o exemplo do documentário Auto de Resistência, de Natasha Neri e Lula Carvalho, que não chegou a ser exibido na capital. Sobre a produção do estado, no entanto, Veras demonstrou bastante expectativa para as novas produções de nomes como Cláudio Assis, Gabriel Mascaro, Andrea Ferraz e Kleber Mendonça. “Acredito que o cinema feito em Pernambuco tem contribuído para a pujança da produção nordestina e brasileira”.

Miguel Barbieri, por sua vez, elogiou a diversidade de estilos da programação do Festival, afirmando que essa variedade é um dos pontos fortes do evento. “Todos os filmes que estão aqui têm a sua importância”. O crítico destacou, sobretudo, os filmes de terror da seleção. De acordo com ele, obras como Hereditário, de Ari Aster, O Animal Cordial, de Gabriela Amaral Almeida, e As Boas Maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra, estão em total sintonia com a proposta de retomada do gênero, liderada por filmes de diretores como o norte-americano Jordan Peele.

carregando...