Convergência, participação e diálogo. Estes são os principais pilares da crítica cinematográfica contemporânea, que extrapolou os consagrados meios da academia e dos meios impressos e ganha cada vez mais espaço nas mais diversas plataformas online.
Dos já tradicionais blogs aos novos podcasts, passando pelos canais de Youtube aos efêmeros stories das mídias sociais como Instagram e Facebook, os canais para os críticos de cinema atingirem seu público hoje são múltiplos e complementares.
E, muito em função desta multiplicidade, pedem abordagens diferentes e atraem públicos específicos, em busca do formato que mais o agrada ou que mais se adeque a seu dia-a-dia. Para debater os avanços e desafios da crítica de cinema contemporânea, o 44º Festival Sesc Melhores Filmes reuniu a jornalista e crítica Luciana Veras (da Revista Continente), a youtuber e apresentadora do canal TNT Luisa Clasen (Lully de Verdade), a crítica Raquel Gomes (do Cinematório) e o crítico Chico Fireman (do blog Filmes do Chico).
Crítica em tempo real
Durante a conversa com o público do CineSesc, Luciana Veras, que atuou por quase uma década no jornalismo diário e atualmente é repórter especial de um veículo mensal, observou que encontrar o equilíbrio entre uma cobertura com mais tempo de depuração e o ritmo do “tempo real” do jornalismo online é um dos grandes desafios da mídia.
Ela citou a recente cobertura do Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro, como uma experiência em que aliou os dois meios. “Como faço uma revista mensal e impressa, não era possível, por exemplo, esperar tanto tempo para noticiar a recepção de filmes importantes. Este foi o caso de O Processo (de Maria Augusta Ramos), que foi aplaudido por muito tempo. Eu precisava mostrar para as pessoas no Brasil como havia sido a sessão. Então, fazer os stories no Instagram, comentar nas redes sociais, foi a melhor forma de passar a notícia em tempo real. Foi uma experiência muito enriquecedora”, contou a crítica pernambucana.
Já Lully, que é formada em cinema e ganhou notoriedade pelo conteúdo sobre cinema que produz para seu canal no Youtube, observa que usa mais os stories (vídeos de até 30 segundos que ficam disponíveis por 24 horas nas mídias sociais de quem os produz e publica em seus perfis) para destacar algum fato mais pontual. “Na campanha para o Oscar, fiz um story de cada filme no Instagram. Foi um desafio transmitir a informação básica e a opinião sobre cada filme em tão pouco tempo. Mas funcionou muito bem e foi uma forma de convocar o público para a noite da premiação e para assistir aos longas”, contou a youtuber.
Raquel Gomes, que tem excelência na produção de podcasts para o Cinematório, observou que atualmente busca ocupar quanto mais meios puder para atingir os mais variados leitores e ouvintes. “O Podcast é um lugar onde a gente faz uma crítica muito dialógica, em que se constrói muito com os outros. No podcast, apesar de haver o trabalho solitário, que é ver o filme, tudo que se faz sozinho toma novas proporções a partir do momento em que se está com outras pessoas, discutindo sobre o filme”, comenta ela, que também integra a equipe do podcast Feito Por Elas, que divulga e discute o cinema realizado por mulheres.
O podcast como ferramenta de crítica e diálogo
Para Raquel, o podcast é um meio que traz muito dinamismo e no qual há muita riqueza e troca de informações e conhecimento. “São muitos os olhares da crítica hoje. Tem tantos formatos diferenciados que representam a diversidade de público. O cinema é tão rico. Por que não ter várias formas de pensá-lo?”, observa a crítica, que, como editora do Cinematório, também trabalha a crítica escrita e tem investido na comunicação ágil dos vídeos e stories nas mídias sociais quando cobre eventos e festivais de cinema.
A live (vídeo ao vivo em geral publicado no Facebook) também tem se revelado um canal efetivo de informação e diálogo com o público. “Estreamos há pouco na live. O interessante é que a live repercute na hora e também depois. Um detalhe importante é que neste formato tentamos passar algo do nosso processo de produção e dos bastidores”, explica Raquel, que ressalta que, no papel de comunidade virtual, enxerga as diversas ferramentas de comunicação online como meios de gerar engajamento com o público.
Já Chico Fireman observa que, ainda que seu foco principal seja a crítica escrita em Filmes do Chico, utiliza os posts no Facebook para dar dicas de filmes e impressões sobre produções que integram festivais que cobre. “Faço isso por conta dos pedidos dos leitores e amigos, que buscam os destaques entre tantos filmes. É uma forma rápida de me comunicar e também passar uma opinião que depois vai ser aprofundada nos textos do blog”, comenta Chico, que também integra a equipe do podcast Cinema na Varanda.
Online, mas com profundidade
Sobre a questão da profundidade, ou da falta de, que análises nos meios online podem trazer, os quatro participantes observaram que o determinante não é o meio, mas sim o objetivo de cada crítico ou profissional. Além disso, é possível focar em um nicho específico de público (seja leitor, espectador ou ouvinte) e no que cada um está buscando.
“Na internet há conteúdos e conteúdos. Há o raso, porque quem faz na verdade faz qualquer coisa para aparecer. Mas cabe ao público escolher o que está mais alinhado com o que cada um busca”, declarou Lully.
Para Raquel, o conteúdo fútil sempre existiu, mesmo antes da internet. “E hoje se tem conteúdos de entrada e, a partir disso, a pessoa pode querer e buscar mais. Fazer conteúdo de forma mais aprofundada é também resistência”, afirmou.
Chico acrescentou que “quanto mais se fala de cinema na internet, melhor para todo mundo”. “Hoje é muito mais fácil encontrar conteúdo sobre cinema. Era um sacrifício quando eu era criança. O que é preciso agora é separar o joio do trigo.”
Luciana, que transita entre o meio impresso e o online, analisa que o maior desafio de sua equipe na Revista Continente é ir além do nicho do veículo impresso, que existe há 15 anos. “E o que a gente tem buscado é fazer a convergência entre o que é produzido para a revista e para o site. Que um instigue e retroalimente o outro.”
É, portanto, a intersecção dos meios e a comunicação entre todos que constrói atualmente a crítica e o jornalismo de cinema online. Mais que meios estanques e separados, as plataformas se complementam e estimulam o diálogo com o público. Além disso, canais de Youtube (ou vlogs), podcasts, sites, blogs e até perfis de Facebook e Instagram dependem do engajamento contínuo com o público para que construam, juntos, uma narrativa crítica do cinema contemporâneo.
O 44º Festival Sesc Melhores Filmes na web
Além de participarem do Seminário da Crítica no dia 06 de abril, Raquel Gomes e Luciana Veras foram as convidadas do podcast do 44º Festival Sesc Melhores Filmes para conversar sobre a crítica em 2017. Quem ainda não ouviu pode conferir no link. Lully contou um pouco da sua trajetória como youtuber em um bate-papo ao vivo transmitido do bar do CineSesc.
por Flavia Guerra
(Foto: Marcos Finotti)