O cinema de 2017 em ebulição e em debate, segundo a crítica

A busca por mais espaço no circuito, a mulher e os negros como protagonistas de uma nova era nas narrativas e a importância de títulos que dialoguem com um público popular. Estes foram os temas que se destacaram no cinema em 2017 segundo os críticos José Geraldo Couto, Cecília Barroso, Luíza Lusvarghi e Luiz Zanin Oricchio.

Em ocasião do 44º Festival Sesc Melhores Filmes, eles participaram de uma conversa com o público do CineSesc em que, além de comentarem os assuntos que mais os mobilizaram no último ano, também apontaram seus filmes favoritos da recente safra do cinema nacional e internacional. Além disso, com mediação da crítica Maria do Rosário Caetano, os críticos abordaram as questões que continuarão em pauta na sétima arte em 2018.

Entre tantas, o momento de revisão histórica e de abertura a cada vez mais diversidade tanto nas telas quanto nos sets foi um dos temas mais significativos levantados durante o debate. “Na minha opinião, para qualquer pessoa que se situe dentro do campo progressista e humanista não simpatizar e estar solidário com as lutas identitárias, das mulheres, dos negros e dos indígenas, seria absolutamente impensável. Não é possível se colocar contra. Se a gente pensar o presente da nossa sociedade são as únicas lutas que fazem a sociedade avançar”, declarou Zanin.

O crítico do jornal O Estado de S. Paulo ressaltou como pontos importantes do ano os debates acalorados em torno de Vazante (de Daniela Thomas) e Café com Canela (de Ary Rosa e Glenda Nicácio) durante o Festival de Brasília em setembro de 2017. “Em Brasília houve uma praça de guerra por conta de Vazante. E houve Café com Canela, do Recôncavo Bahiano, de Cachoeira. O diretor (Ary) branco e a diretora (Glenda), negra. Um filme que foi totalmente protagonizado por negros e conquistou as pessoas pela simpatia e comoveu por ser uma história tão simples”, relembrou Zanin.

“Eu saí do debate de Vazante com um olhar diferente. Eu, homem branco, achei que era uma denúncia contra a escravidão. E vi e entendi outros olhares sobre o filme quando ele foi debatido na manhã após a sessão”, comentou Zanin.

A Mulher no Cinema – Novas conquistas de uma luta perene

Outro debate importante levantado por Cecília Barroso e Luíza Lusvarghi foi o da presença feminina tanto nas telas quanto nas equipes das produções. Luíza observou que, além da comédia, o gênero policial no Brasil em geral traz em sua quase totalidade personagens masculinos. “E quando há uma mulher, ela é mandona, assexuada, a masculinizada, não tem um papel de protagonismo. Este é um gênero em que a mulher ainda luta por espaço”, observou.

Para Luíza, é necessário se pensar e trabalhar as relações de gênero de maneira mais produtiva. Isso porque é difícil discutir um novo papel para a mulher no cinema sem se discutir estas funções na própria sociedade, além do papel do homem. “A gente acaba mexendo no entorno, formando um novo homem. Na América Latina, filmes que tratam das relações de gênero têm aumentado. Há mais produções que discutem as relações de poder a partir do privado, do doméstico”, observou Luíza.

Cecília Barroso acrescentou que, apesar da mulher ter tido uma grande participação na criação e consolidação do cinema, desde os anos 30 o cinema tem sido uma arte majoritariamente dominada pelos homens. Por isso, ela ressaltou que maior ocupação das mulheres nas telas é um movimento recente, que está ganhando corpo não só no Brasil como no mundo todo.

“Segundo o relatório da Ancine (Agência Nacional do Cinema), dos filmes com mais de 500 mil espectadores, apenas 8% foram roteirizados por mulheres. E nenhum por negros. Então, diante disso, considerando-se a produção recente, 2017 foi um ano que me deixou bem esperançosa, pois a pressão por mais diversidade que começou com maior efeito em 2015, passou por 2016, chega a 2018 com força. Mas esta mudança não foi algo muito pacífico e natural. Quem está chegando chega brigando”, observou a crítica do Cenas de Cinema. Para exemplificar a mudança de olhares que permeia o atual cinema nacional, ela citou títulos como Pendular (de Julia Murat), A Cidade Onde Envelheço (de Marília Rocha), Duas Irenes(de Fábio Meira), Clarisse Ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois (de Petrus Cariry), Era o Hotel Cambrigde (de Eliane Caffé) e Arpilleras – Atingidas por Barragens Bordando a Resistência, que levaram, respectivamente, os prêmios de Melhor Direção e Documentário do júri popular do 44º Festival Sesc Melhores Filmes.

Luta pelo público com menos elitização

Apesar da importância que filmes como estes tem para a cinematografia brasileira, tanto Cecília quanto Luíza observam que é preciso que o público tenha mais acesso à produção. “Este cinema está surgindo e aparecendo. Mas mesmo o cinema que sempre foi feito, o majoritariamente masculino, se não tiver a chancela Globo Filmes ou for comercial, sempre estará atrás do internacional nas bilheterias. Como fazer com que o público conheça estes filmes?”, questionou Cecília.

Para Luíza, é preciso, tanto quanto considerar a produção, pensar no acesso. “O acesso ao cinema infelizmente ainda não é para todos. Está muito caro ir ao cinema. O CineSesc, por exemplo, traz clássicos a um preço mais em conta. Mas a elitização passa pela questão do preço dos ingressos. Além disso, muitas cidades perderam cinemas de rua. A gente tem que pensar em como que esses filmes vão atingir seu público. A bilheteria de um filme representa um público pagante. Mas isso significa realmente que este é um filme popular e que seria mais visto pela população?”, observou a crítica.

Para José Geraldo Couto, a questão da elitização passa também pelas comédias, gênero que tem sempre o carinho e a atenção do público brasileiro. Segundo o crítico, as comédias de apelo mais populares e que se comunicam com o espectador menos elitizado merecem destaque. “Queremos nos impor neste lugar da cultura que é ocupada por uma cultura mais elitizada. O cinema de Halder Gomes (Cine Holliúdy e O Shaolin do Sertão), os longas Divórcio (de Pedro Amorim) e A Comédia Divina (de Toni Venturi) me pareceram variações mais inteligentes e elaboradas do que de costume das comédias da Globo Filmes, com menos preconceito contra as classes populares”, observou.

José Geraldo ainda ressaltou que mais de 90% das cidades brasileiras não possuem salas de cinema. “Há uma gama de gêneros do cinema que são muito populares e que são prejudicados pela elitização e a explosão dos Multiplex. Como fazer com que o cinema nacional encontre seu público? Esta questão é crucial para os filmes brasileiros”, concluiu o crítico.

Por Flavia Guerra

(Foto: Aline Arruda)

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